Olívio Dutra defende mudanças nos organismos internacionais para melhorar saneamento e habitação

01/09/2004 - 12h57

NBr Manhã

Brasília – O Fórum Urbano Mundial, promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU), será realizado de 13 a 17 de setembro, em Barcelona, na Espanha. O ministro das Cidades, Olívio Dutra, representa o Brasil e, ao mesmo tempo, será co-presidente do fórum. Em entrevista ao programa NBr Manhã, o ministro comentou a participação brasileira em Barcelona e também sobre o plano do governo para sanemento ambiental.

O ministro enfatizou que o saneamento brasileiro necessita de "planejamento", "regulação" e " controle social". Sobre o evento em Barcelona, Dutra criticou a postura das agências e dos organismos internacionais de crédito. "Agências financiadoras e órgãos internacionais de financiamento, em vez de resolverem, estacionam ou até agravam o problema", disse. Leia a íntegra a entrevista:

NBr Manhã: Ministro, é preciso um diálogo maior entre o governo federal e os governos municipais e estaduais para resolver essa questão do saneamento?

Olívia Dutra: E por isso há necessidade também de uma sistematização das ações dos três âmbitos federados - União, Estados e Municípios - com a iniciativa privada e com a cidadania também realizando o controle de tudo isso. Então, planejamento, regulação e controle social para que a gente possa em menos de 20 anos universalizar o direito ao saneamento ambiental no nosso país, que é uma situação gravíssima. Temos 45 milhões de pessoas sem acesso à água tratada, 83 milhões de pessoas sem esgoto tratado e 15 milhões de pessoas sem nenhum atendimento para recolher o lixo.

NBr Manhã: Esse setor ficou sem regras durante muitos anos. Agora existe a discussão. A proposta não está fechada, mas já está bem encaminhada. Quais vão ser as grandes mudanças a partir desse projeto?

Olívia Dutra: Terminamos esse processo de seminários. Foram 8 seminários nas principais cidades brasileiras, que, por sua vez, foram antecedidos de consultas múltiplas balhadas com todos os setores – empresas públicas estaduais, as autarquias municipais, os empresários, os operadores e os usuários através das conferências das cidades. Cerca de 350 mil pessoas se envolveram no debate deste e de outros temas. Agora, nestes oito seminários, a gente deu uma "decantada" em outros problemas, para ter uma formatação mais clara e objetiva.

É necessário que o setor tenha um planejamento, tenha uma regulação e tenha controle social. Nós temos que organizar para que possamos o Brasil inteiro, não só o governo federal, mas a somatória de esforços e recursos estaduais, da União e dos municípios, investir no mínimo R$ 9 bilhões por ano, só para o saneamento. Se nós colocarmos a moradia digna é o total de R$ 20 bilhões por ano, que o país tem que investir para universalizar em menos de duas décadas, esses dois direitos básicos de morar dignamente numa cidade: moradia com saneamento.

Então, esse esforço tem que ser conjugado, articulado e por isso mesmo toda a crítica que recebemos, ela vai ser absolvida e todas aquelas que não ferirem a estrutura fundamental da necessidade de planejar, de regular e ter controle social, serão absolvidas. Essa questão, por exemplo, que eu vi o presidente da Associação das Empresas Estaduais de Saneamento se referir de que estaria ameaçado o chamado subsídio cruzado, que é uma empresa pública estadual, recolher recurso de uma cidade maior, com capacidade contributiva e passar para a menor ou para a pequena, isso não está ameaçado.

Ao contrário, está assegurado e dando clareza para que os cidadãos tanto lá da pequena cidade, quanto da grande cidade saibam quanto aquela empresa está arrecadando aqui, quanto está passando para lá e o município poder, concedente disso, ele seja sujeito parceiro desse processo, tenho certeza de que nós vamos poder fazer muito mais e melhor do que estamos fazendo até agora.

NBr Manhã: Agora ministro, qual a expectativa do Brasil para o Fórum Urbano Mundial em Barcelona? O que que vai ser discutido? Que propostas o Brasil vai levar para esse encontro?

Olívia Dutra: O Fórum Urbano Mundial é uma promoção da Organização das Nações Unidas. Vai acontecer agora de 13 a 17 de setembro, em Barcelona. E o Brasil, o Ministério das Cidades, foi convidado para ser o co-presidente desse foro. E o tema principal é "Cidades para Todos", e como os países que se comprometeram internacionalmente em enfrentar a temática da carência de saneamento básico e de moradia digna para milhões de pessoas em um determinado prazo estão trabalhando para enfrentar o chamado desafio do milênio.

Vamos tratar dessas questões. O Brasil vai com uma proposta. Está trabalhando também com a Argentina, com a África do Sul, com a Índia, com outros países, para que possamos primeiro radiografar a situação que não é só brasileira. Mas o Brasil tem a sua gravidade conforme os números que a gente já se referiu aqui.

Então, tem que ter também uma relação nova com os órgãos de financiamento. Da forma como financiam, não estão facilitando que os países pobres ou os países em desenvolvimento possam, efetivamente, num prazo até 2015, reduzir a carência do saneamento básico, no mínimo, em 10%. Isso ainda é pouco. Além de reduzir esta situação de moradia indigna de assentamentos subnormais em, no mínimo, 100 milhões de pessoas.

Da forma como está se dando essa relação, das agências financiadoras e órgãos internacionais de financiamento, em vez de resolverem, estacionam ou até agravam o problema. Então, é preciso uma outra relação, uma relação de outra qualidade, como, aliás, vem pregando o presidente Lula nos foros internacionais.

NBr Manhã: Qual seria essa possibilidade? Quais seriam possíveis alternativas de financiamento?

Olívia Dutra: Primeiro, precisamos ter o que nós estamos procurando fazer aqui no Brasil: a sistematização e um planejamento que articule os entes federados e atraia investimentos privados para o setor dentro de um marco regulatório. Inclusive, que faça predominar o interesse público e garanta o saneamento para as populações de mais baixa renda.

Precisamos que os organismos de financiamento internacional tenham uma outra conduta – que os recursos não fique bloqueados para fazer reserva ou porque não devemos gastar do nosso próprio dinheiro, senão o nosso credor lá fora acha que não vamos pagar conta. Tem que ter uma outra orientação no sentido de que o dinheiro investido em saneamento básico, em moradia digna, tem retorno na qualidade de vida de milhares de pessoas e gera outros negócio, outras atividades econômicas. Vamos trabalhar nesse sentido, com esse objetivo.