Usina secular é administrada por seus trabalhadores

17/08/2004 - 9h47

do Núcleo de Pesquisa
da Agência Brasil

Brasília - Uma usina de açúcar secular criada a partir de um consórcio entre ingleses e um senhor de engenho da região da zona da mata pernambucana é hoje administrada pelos próprios trabalhadores. O Engenho Catende iniciou suas atividades em 1889, com a primeira safra de cana-de-açúcar em 1920. Nas décadas de 40 e 50, com tecnologia inglesa, chegou a ser a maior usina da América Latina. Na década de 80, ela ainda permanecia como a maior usina da região Nordeste.

Lenivaldo Lima, um dos principais lideres da Companhia Agrícola Harmonia, que assumiu a operação da usina a partir de sua falência, no inicio dos anos 90, esteve presente no 1º Encontro Nacional de Empreendimentos da Economia Solidária, realizado em Brasília, no último fim de semana. Ele conta como se deu o processo de falência e de recuperação, pelos trabalhadores, da empresa que deve produzir na próxima safra, cerca de 180 mil toneladas de cana de açúcar.

No inicio de 1993, a usina entrou em decadência, e os usineiros demitiram 2.300 trabalhadores. "A partir daí, começa uma história diferente do que tinha sido até então, pois os proprietários das terras, das máquinas, só faziam explorar os trabalhadores, tiravam seus lucros e dividendos até o limite de falir a usina", relata Lenivaldo.

Com a demissão, teve início uma luta sindical para que os trabalhadores recebessem seus direitos. Quase a totalidade deles foram nascidos e criados nas 48 propriedades rurais da usina, que, no passado, chegou a ter 70 mil hectares de terras. "As demissões provocaram grande impacto na frágil economia dos cinco municípios abrangidos pela Catende", ressalta o líder dos trabalhadores.

Os antigos proprietários exigiram que os trabalhadores abandonassem suas casas sem receber as indenizações a que tinham direito. A batalha judicial se arrastou por mais de três anos, com os trabalhadores vivendo apenas de cestas básicas doadas pelo governo do estado, enquanto as máquinas e a plantação permaneciam paradas.

Em 1995, com a união de três entidades sindicais, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Pernambuco (Fetag-PE), a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT), os trabalhadores conseguiram que a Justiça reconhecesse que o antigo patronato não tinha mais legitimidade para negociar, levando o Banco do Brasil, maior credor da usina, a assumir a gestão da empresa.

Com sua luta e mobilização, 2.300 trabalhadores, valendo-se da Lei de Falências de 1945, requereram a decretação da falência, o que ocorreu com o reconhecimento pelos patrões de que a Catende estava falida. Entre 95 e 97, o Banco do Brasil, credor de R$ 480 milhões, administrou a massa falida constituída por 26 mil hectares de terras, diversas casas grandes, diversos bens móveis e imóveis, uma frota de 32 caminhões, máquinas, tratores, um parque industrial e uma hidroelétrica.

Em 1997, o banco quis liquidar o patrimônio, avaliado judicialmente em R$ 62 milhões, mas os trabalhadores, que tinham um crédito trabalhista de R$ 67 milhões, impediram a venda, criando em 1998, uma empresa inédita, administrada por eles próprios, sob regime de autogestão.

Lenivaldo Lima fala dos tempos difíceis, quando assumiram o controle da empresa. Plantavam cana e produziam açúcar mantendo-se apenas com a cesta básica doada pelo governo. Tudo para poder ver a usina voltar a funcionar e retomar a produção que, em 2003, chegou a 700 mil sacas de açúcar, movimentando recursos da ordem de R$ 30 milhões.

Emocionado, ele lembra da luta da população de aproximadamente 80 mil pessoas, habitantes dos municípios de Catende, Jaqueira, Palmares, Xexéu e Água Preta que dependem direta e indiretamente do funcionamento da Usina e de sua mobilização para que ela não fechasse as portas, como ocorreu, na última década, com outras 18 Usinas da Zona da Mata.

"Esse é o nosso percurso histórico, que estamos construindo - pegamos uma usina falida, quebrada, e estamos reconstruindo graças à organização dos trabalhadores", ressalta. Ele conta também que "de 99 para cá nós temos, crescido muito graças a um programa chamado" Cana de Morador "; temos estimulado os moradores a plantar cana e nessas cinco últimas safras, saímos de 13 mil toneladas para 130 mil toneladas, estando projetada a próxima safra 180 mil toneladas", destaca.

Só na última safra, foi distribuida uma renda de mais de R$ 4 milhões entre os plantadores. Eles também mantêm lavouras para seu sustento nas entressafras, criam animais para consumo, animais de trabalho e animais de transporte, tudo isso numa região em que secularmente predominou a monocultura da cana-de-açúcar, o trabalho escravo e assalariado. A Catende é hoje a maior empresa do país com autogestão dos trabalhadores.