Brasília, 28/5/2005 (Agência Brasil - ABr) - Uma grande parcela dos médicos não conhece verdadeiramente todas as características do medicamento que receita. Essa é uma das constatações do estudo realizado por Rita de Cássia Patula Alves Vieira para a sua tese de doutorado no Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de janeiro (Uerj).
Ela investigou como anda a publicidade de medicamentos dirigida a médicos, analisando os aspectos legais, farmacológicos, médico-sociais e de mercadização das peças de propaganda e descobriu que o problema vai além de simples infrações à legislação vigente.
Rita, professora de toxicologia da faculdade de farmácia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), fez uma análise qualitativa de 100 peças de propaganda, folders e folhetos, coletadas entre outubro de 2002 e junho de 2003, em consultórios de nove especialidades médicas distintas em Juiz de Fora (MG). "Minha preocupação não era fazer um levantamento epidemiológico, com cara de quantificação. O que interessa é a informação textual, claro com uma analise qualitativa prévia, sob aspectos distintos", esclarece ela.
Os textos selecionados foram confrontados com a Resolução 102 (RDC102), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para observar se cumpriam a legislação. "Teoricamente todo fármaco no mercado deveria estar registrado no Ministério da Saúde e, uma vez registrado, deveria ter provado possuir as características que informa", explica Rita.
Entretanto, ela detectou, à época da coleta do material, que 11,5% dos medicamentos não tinham registro na Anvisa. Esta falta de registro impossibilita a punição dos fabricantes, já que a Agência fiscalizadora só toma conhecimento da existência destes medicamentos no mercado por meio de denúncias. "O mais assustador é que trabalhei com a publicidade dos fármacos dirigidos exclusivamente aos médicos", diz a professora.
As peças publicitárias devem, segundo a legislação, fornecer uma referência bibliográfica que comprove o que seu texto diz sobre as características do medicamento. As informações farmacológicas incluídas nas propagandas, supostamente corretas cientificamente, foram comparadas com dados da literatura de referência e comprovou-se que existiam erros, ou mais freqüentemente, dificuldades em localizar os artigos fornecidos como base.
"Detectei que grande parte das referências bibliográficas ou estão mal indicadas ou até mesmo não existem. Também há casos em que estão mal traduzidas ou não é possível saber se há tradução, além de encontrarmos a grande maioria em Inglês. Houve um caso em que a referência era: dados do laboratório", diz Rita.
A constatação da existência de uma grande dificuldade em encontrar os artigos usados como referência na publicidade levou Rita de Cássia a refletir sobre a relação médico-indústria e os aspectos médico-sociais da propaganda. "Será que o médico brasileiro, que trabalha em três ou quatro locais diferentes, tem tempo de procurar estas referências na Internet, e ainda, será que socialmente temos condições de exigir que ele tenha conhecimento de inglês suficiente para ler um artigo científico?", questiona. "Por isso, a maioria dos médicos confia nas informações fornecidas pela publicidade e não se pode admitir que estas não sejam exatas", complementa.
Rita, que também tem mestrado em educação e trabalha com alunos dos cursos de farmácia e medicina, aponta a necessidade de se conscientizar os futuros profissionais sobre os riscos de se confiar nas informações da publicidade, pois a classe médica não considera a possibilidade de receber dados inverídicos da indústria."Uma pesquisa, veiculada na Tv aberta, apontou que 47% dos médicos admitem se atualizar em farmacologia apenas por meio dos boletins da indústria", informa ela.
A conclusão de Rita de Cássia é que parte da publicidade de medicamentos dirigida a médicos, tal como feita hoje, além de omitir ou alterar dados importantes sobre os fármacos, não pode ser considerada fonte de conhecimento técnico-científico, pois, devido a uma legislação incipiente, especulações são confundidas com fatos.
A solução proposta por ela passa pela criação de um boletim informativo independente, providenciado pelo ministério da saúde, em sua opinião indispensável, e principalmente pela reformulação do modelo regulatório atual. "É necessário que se reformule a RDC 102, pois alguns itens hoje estão obscurecidos por uma linguagem legal que dá margem a diversas interpretações quanto ao teor da publicidade", conclui a pesquisadora. (Agência Uerj)