Exposição em Brasília mostra o produto de feira que ganhou status de arte, a literatura de cordel

07/04/2004 - 9h27

Alessandra Bastos
Repórter da Agência Brasil

Brasília - Ele só freqüentou a escola por dez meses, quando tinha 13 anos de idade. Aprendeu mesmo a ler foi com os livrinhos de literatura de cordel. Hoje, aos 58 anos, o homem que fez da poesia uma profissão, vendendo folhetos nas feiras do Nordeste, em meio a pilhas de rapaduras e varais repletos de carne-de-sol, tem a sua disposição um espaço que no dia-a-dia abriga pintores e escultores de todo o mundo. O pernambucano J. Borges comemora com uma exposição em Brasília o status de artista plástico.

Borges nasceu e foi criado num sítio, no município de Bezerros, no agreste pernambucano. Filho de agricultores, conheceu cedo o trabalho no campo, aonde a energia elétrica ainda não havia chegado. Nas feiras, teve contato com o cordel, arte que chegou ao Brasil junto com os europeus. "Foi a minha primeira diversão. Não tinha rádio, TV, nada", lembra o artista.

A mostra no CCBB reproduz o ambiente das feiras. Os trabalhos de J. Borges estão expostos em barraquinhas, juntamente com pingas, sementes, bonecos de bumba-meu-boi, incensos, defumadores e ervas medicinais. As cores são vivas e o som é das violas dos poetas repentistas.

Depois de escrever suas primeiras histórias em versos, Borges sentiu necessidade de ilustrá-las e, assim, pôs-se a desenhar e a fazer gravuras em madeira. "Virei poeta, escritor de literatura e, pela necessidade de ilustrar a mesma, virei xilógrafo-gravador", conta. Na mostra, intitulada, "Do cordel à xilogravura", 100 xilografias do artistas e 50 cordéis poderão ser vistos. Um ateliê também foi montado e J. Borges trabalhará ali mesmo, todo dia, das 10h às 21h. "Vou riscar, desenhar e imprimir para o povo ver e perguntar", anima-se o artista.

Escrito em 1967, "A Mulher que Vendeu o Cabelo e Foi para o Inferno" foi seu livreto de maior sucesso. Em 60 dias, 40 mil exemplares foram vendidos. Até hoje, já são mais de 100 mil. Borges se diverte ao lembrar do episódio de "A Perna Cabeluda", do escritor José Soares, também pernambucano. "Inventaram essa história, de que tinha uma perna cabeluda andando pela cidade, e até a televisão chegou a noticiar", recorda. É claro que o caso virou literatura de cordel porque, nesse gênero, qualquer fato do cotidiano serve de inspiração. De casos políticos a histórias sobre monstros como o lobisomem, tudo vira livro.

Borges conta que, antes da chegada da televisão, o cordel servia também como um "veículo jornalístico", já que o dia-a-dia da população era contado nas histórias. E um veículo de fofocas também. "Se um casal de vizinhos brigava, no dia seguinte José Soares escrevia o caso", lembra.

Os tempos áureos do cordel se foram, conta ele. Hoje, com TV, rádio e tudo aquilo que a infância sertaneja de J. Borges não teve, quase não há mais escritores nem tampouco leitores para essa arte. "Apareceu muita coisa para divertir o povo, como filmes e videocassete", justifica Borges. Seu último livro, "O Casamento do Boiola" (2003), é uma comédia, como o nome sugere. Borges explica que, hoje, apenas as histórias engraçadas têm saída. "O povo não tem muito tempo, ele gosta de histórias pequenas e engraçadas", afirma.

A exposição "Do cordel à xilogravura" pode ser conferida no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília, até o dia 16 de maio. A entrada é franca.