Representante da ONU defende parceria com comunidades no combate às drogas

05/03/2004 - 11h16

Brasília, 5/3/2004 (Agência Brasil - ABr) - Uma parceria inédita do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (Unodc) e a prefeitura do Rio de Janeiro poderá contribuir para a elaboração de políticas públicas visando a redução dos níveis de violência decorrentes do tráfico e do consumo de drogas no país. Os resultados desta iniciativa são aguardados com esperança pelo respresentante do Unodc, Giovanni Quaglia, que em entrevista exclusiva defende a atuação no nível dos municípios, "que é onde as pessoas moram, atuam e sofrem os problemas da violência".

O Brasil está incluído no relatório da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (Jife), lançado na quarta-feira (3) como um dos países com os maiores índices de violência decorrentes do tráfico e do consumo de drogas. Por isso deverá receber atenção especial por parte do Escritório.

Na entrevista, Quaglia diz que a meta é mobilizar o governo brasileiro e a sociedade para um trabalho conjunto de ocupação dos chamados "espaços vazios" ocupados, em geral, pelo crime organizado nas comunidades. E explica que as experiências internacionais demonstram uma relação custo/benefício muito boa quando o país investe na prevenção.

É a seguinte a íntegra da entrevista:

Agência Brasil - No Brasil, o crime organizado está vencendo os poderes constituídos?

Giovanni Quaglia - Eu diria que não está vencendo, mas está ocupando espaços vazios. Espaços que foram deixados vazios pelo Poder Público por muito tempo. É tempo agora de o Governo e, sobretudo, o governo local, ao nível municipal, ocupar esses espaços.

- O Brasil é apontado pelo relatório anual da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes como um dos maiores mercados consumidores de maconha da América Latina. Como acabar com esse comércio e conter a violência em conseqüência?

- O Brasil é um grande consumidor de maconha, sobretudo porque é também o maior país da América Latina e a maior população, com mais de 170 milhões de pessoas. A prevalência de uso não é maior no Brasil do que nos outros países. É praticamente igual à da Argentina e à do Chile. Só que o tamanho do país faz com que, naturalmente, a quantidade consumida seja maior. De toda forma, o relatório focaliza neste ano as ações que os governos têm que tomar ao nível das comunidades. Esta é a novidade do enfoque da Jife.

- Esse contingente de jovens mortos no Brasil – 30 mil homicídios ocorrem por ano – representa uma perda substancial de força de trabalho. O que as Nações Unidas têm em mente para ajudar o governo e a sociedade a resolver esse grave problema?

- São 30 mil pessoas e esses são os dados oficiais. Os dados reais podem trazer números mais altos do que esse. E, naturalmente, muitos desses homicídios estão relacionados a brigas entre gangues de traficantes para o controle do território. O percentual menor é o de mortes nos conflitos entre policiais e traficantes. E muita gente inocente acaba sofrendo as conseqüências: morrem porque estão no lugar errado, no momento errado, às vezes de forma inocente, sem ter nada a ver com o tráfico.

Poderiam ser desenvolvidas parcerias entre a Jife e o governo brasileiro para tratar o problema nas comunidades?

- Nós queremos atuar ao nível dos municípios, que é onde as pessoas moram e atuam. É onde estão os problemas de violência. Começamos agora a trabalhar uma parceria com o município do Rio de Janeiro, levando a ação a três favelas. Será uma iniciativa piloto e vamos ver se trará os resultados esperados.

Uma das principais recomendações da Jife para o enfrentamento do problema é o fortalecimento das políticas de prevenção. Quais setores da sociedade deveriam ser mobilizados?

- As experiências internacionais mostram que quando um país investe na prevenção – aí incluídas todas as ações de tratamento e de reinserção social – a relação custo/benefício é muito boa. Queremos que no Brasil também se preste uma maior atenção ao tratamento dos dependentes químicos e, sobretudo, à reinserção social, que também é importante. Nós acreditamos que o futuro está nesta direção.

De que forma o cidadão poderá dar sua contribuição nessa verdadeira guerra contra o crime organizado?

- É verdade que a maioria dos homicídios se dá nas comunidades pobres. Em última análise, são eles os mais atingidos pela violência trazida pelo tráfico. Mas existem várias iniciativas de caráter preventivo que poderão ser adotadas, como trabalhar nestas comunidades carentes para ajudar a resolver problemas de abuso de drogas. O setor público pode ajudar criando serviços dentro dessas comunidades para ajudar as famílias a resolver os seus próprios problemas e, com isso, aproximar-se das comunidades. Para combater o narcotráfico no Brasil, é preciso agir neste "tráfico de varejo" e não apenas no combate às grandes organizações do narcotráfico. Essas comunidades vivem sob o medo gerado pelos grupos de traficantes que influenciam negativamente sua qualidade de vida.