Dinheiro: o poderoso doping de hoje

05/03/2004 - 15h31

C&T - Como se define clinicamente o doping?

Francisco - Podemos defini-lo como sendo métodos ou substâncias utilizadas pelo atleta para melhorar a performance. Hoje em dia o Cob define como doping não apenas as drogas para melhorar a performance como também as que o atleta usa e podem trazer transtorno para a sua saúde, mesmo que não melhorem seu rendimento.

C&T - Que tipos de drogas são mais utilizadas no doping?

Francisco - Existem dois tipos de drogas, as sujeitas à restrição, o que no caso depende da federação esportiva, e as que não são consideradas doping mas que algumas federações proíbem. O álcool, por exemplo, não é considerado como doping por todas as federações. Existem também os corticóides, proibidos por algumas federações e por outras não. Agora, existem aquelas drogas que são proibidas por todos os comitês, que são os diuréticos, muito utilizados nas modalidades em que o peso é importante e para diluir na urina substâncias proibidas. Existem ainda os corticosteróides, substâncias que provocam euforia e os anestésicos, que podem melhorar as condições do atleta.

C&T - E os anabolizantes?

Francisco - Os anabolizantes são substâncias que aumentam a massa muscular do indivíduo. Existem anabolizantes esteróides e anabolizantes bloqueadores alfa e beta. O esteróides são os derivados dos hormônios sexuais masculinos e os alfa e beta, muito utilizados pelas pessoas que têm asma, têm efeito anabolizante quando consumidos por um período de tempo mais longo.

C&T - O desenvolvimento tecnológico farmacêutico, cada dia mais avançado, com substâncias que não aparecem mais nem no suor nem na urina, nos leva a pensar que se não for mudado o padrão de teste antidoping ficará cada vez mais difícil pegar algum caso. O que o senhor sugere que seja feito?

Francisco - O que se está tentando é fazer os exames no atleta fora da competição, por exemplo, três meses antes de uma prova. Estamos querendo criar uma legislação nesse sentido, mas ainda há muita resistência não só dos atletas mas também das confederações. É difícil entrar numa competição sabendo que todo mundo apela para o doping; como competir com essas pessoas? Existe uma porcentagem muito pequena de atletas que consomem drogas. O número está crescendo, mas ainda é pequena.

C&T - O doping é utilizado pelo atleta só para as competições ou há perigo de tornar-se um vício?

Francisco - É perigoso sim. Por exemplo, o esteróide anabolizante cria dependência física. O que está chamando muita atenção é o consumo de drogas como a maconha, que não melhora o desempenho do atleta, ao contrário, deixa ele mais lento, desligado, mas o índice de cannabis (maconha) que estamos encontrando em atletas é muito alto. Não é o fato dela melhorar a performance, mas o fato dela trazer muitos transtornos, principalmente problemas psíquicos, que nos preocupa. Uma outra preocupação são as anfetaminas, substâncias que servem para inibir a fadiga e deixar o indivíduo sempre ligado, criando uma situação de euforia. Só que muitas vezes os efeitos duram mais de 30 horas e esse atleta precisa dormir. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o país que mais consome anfetamina no mundo é o Brasil, já virou um caso de saúde pública. Mas o maior problema do doping é que quem "paga o pato" é o atleta. Ele é a figura que é o exemplo mas é quem é punido, quem é cassado. Na realidade o problema do doping é a repercussão que reflete nos jovens. Nas décadas de 60 e 70 os esteróides anabolizantes eram usados apenas para esportes de força, e hoje descobriu-se que essas substâncias também têm o efeito de inibir a fadiga. Então, muitos corredores também usam, só que o problema não é o atleta e sim os jovens. Um levantamento recente mostrou que de 70 a 80% dos consumidores de esteróides anabolizantes são garotos abaixo de 16 anos, e pior ainda, grande parte toma porque o amigo está consumindo, isso é que é o grande problema.

C&T - O senhor diria que o atual cultismo exagerado ao corpo e a disseminação das academias de ginástica contribuem para este quadro?

Francisco - Pode ser que sim, essas propagandas de bebidas dietéticas, por exemplo, só mostram pessoas belíssimas, então se você é uma pessoa que está naquele meio e se sente um pouco gorda, vai querer mudar. A nossa mídia mostra um lado que favorece essa situação. O que significa a beleza? Gisele Bündchen, não é isso? O problema é que ela tem os seus compromissos, é uma modelo profissional. E para chegar até ela é preciso muita coisa; precisa ter talento. Você vai numa academia e vê os professores todos fortões, com um conhecimento que muitas vezes deixa a desejar, claro ele só passa informações de beleza estética, mas para alcançar esse perfil tem que passar por um caminho muitas vezes difícil. É um problema cultural. Nas novelas, por exemplo, só aparecem rapazes sem camisa com corpos maravilhosos, qual garoto que não vai querer ser famoso, rico, estar com todas as meninas, isso é que a mídia mostra e pode influenciar o comportamento dos jovens para que consumam essas substâncias, porque não é só com exercício que eu consigo aquele corpo bonito, eu preciso de um controle alimentar, um bom sono, todos os meus hormônios equilibrados, não é só a academia. O atleta de alto rendimento representa para o jovem fama, riqueza. Qual é o garoto que não quer ser um astro do futebol? Mas ele não pensa em ser um jogador de futebol, ele pensa nas mordomias que terá, e isso gera no garoto aquela preocupação, será que vou conseguir aquilo? É muito alto o percentual de adolescentes que consomem substâncias para melhorar a sua performance física.

C&T - É possível que dentro de uns 10 anos as olimpíadas deixem de ser uma disputa esportiva para se transformar numa batalha de super-homens, entre quem escolheu o melhor anabolizante?

Francisco - O país que tem o maior número de medalhas é o poderoso, as disputas olímpicas são uma guerra do que tem mais dinheiro, mais condições de levar todos os atletas, todos os professores e treinadores, quer dizer, virou uma guerra do capitalismo. É uma nova "cortina de ferro". Hoje, os atletas não querem mais olimpíadas, querem dólares. Porque olimpíada dá medalha, não dá dinheiro. Virou um mercado que atrai outros mercados como o da droga, dos suplementos, que geram milhões de dólares e são comparados até com o narcotráfico, e as pessoas se submetem a isso.

C&T - O senhor afirmou em outra entrevista que 70% dos freqüentadores de academias de ginástica e dos atletas de final de semana têm problemas cardíacos. É verdade?

Francisco - As pessoas que fazem atividades físicas em academias de forma recreativa têm exames médicos. Resolvemos pesquisar e reunimos três residentes de cardiologia para analisar três mil atestados quando encontramos 70% das pessoas com alterações cardíacas, não eram alterações graves mas requeriam algum tipo de atenção. O problema da morte súbita é justamente esse, a negligência dos sintomas.

C&T - Então o senhor diria que esses exames médicos não têm valor prático?

Francisco - Não têm valor nenhum. A comprovação é essa, e a nossa preocupação é o descaso da classe médica.

C&T - O atleta de final de semana é o que corre maior risco de ter uma morte súbita?

Francisco - Não. Os que correm mais riscos são aqueles atletas que não são profissionais mas treinam freqüentemente. Porque o atleta de final de semana tem o seu limite. Ele vai jogar bola mas sabe até onde pode ir. Quando vai além do que pode sofre uma lesão. Agora, o indivíduo que é acostumado a treinar e quer baixar cada vez mais o seu tempo, melhorar a sua performance, não mede isso e vai além do que pode, e são essas pessoas que têm mais condição de se negligenciar.

C&T - Em relação ao preparo psicológico do atleta, os nossos estão preparado para perder?

Francisco - Não é só o atleta brasileiro, isso acontece no mundo todo. O atleta de alta performance não só tem a cobrança da torcida, mas a do patrocinador, ele tem medo de perder o patrocínio. Então o desgaste é muito grande e não tem equipe que tenha psicólogo, o que seria muito importante. O fator psicológico interfere muito, o atleta estressado não tem o controle neuromuscular adequado.

C&T - Então é mito a afirmação de que os atletas russos, da Tchecoslováquia, por exemplo, são tidos como frios e portanto mais controlados?

Francisco - O comportamento psicológico do atleta depende da escola, vem do treino, não é chegar na competição e querer fazer alguma coisa para aquele atleta ficar tranqüilo. É necessário educá-lo, prepará-lo para que saiba se comportar numa situação de pânico, de derrota, e não na hora da competição.

C&T - E a alimentação do atleta, no que melhora seu desempenho?

Francisco - O suplemento que realmente tem valor é a água, embora ninguém fale nisso. A cada 15 minutos o indivíduo tem que tomar água. Já essa história de dizer que comer banana é bom porque tem potássio não é bem assim. O potássio da banana ali é irrelevante, o que o indivíduo está comendo é carboidrato da fruta, a frutose, que repõe energia, mas não tem nada a ver com potássio, que todo mundo acha que previne cãibra. O que realmente a previne é uma boa preparação física, o que inclui um bom sono, uma boa alimentação, são vários fatores.

C&T - Qual a alimentação adequada para os atletas?

Francisco - Depende do perfil do atleta. É preciso fazer antes uma série de exames. Os atletas normalmente têm que comer de hora em hora, porque a taxa metabólica dentro do organismo dele é muito alta, e funciona com energia constante. Se ele tomar café da manhã, almoçar e jantar não estará repondo de uma forma constante, ele terá perda. Por isso é importante comer de hora em hora, para sempre estar mandando essa substância energética para a célula dele funcionar. Antes de uma competição preconizamos que ele não ingira um alimento de digestão difícil, pedimos que opte por uma alimentação de mais fácil digestibilidade, como carboidratos, que entram no organismo e já são absorvidos.

C&T - É verdadeiro dizer que natação faz bem para a asma, enfim, associar alguns esportes com o controle de determinadas doenças?

Francisco - Também é mito. Qualquer atividade física é boa para asmático, basta que melhore a função pulmonar que se constrói uma situação capaz de resistir à asma.

C&T - Mas teriamos uma modalidade esportiva que seria a ideal de um modo geral?

Francisco - Biomecanicamente poderíamos dizer que o ideal é a caminhada e a corrida, porque a nossa estrutura musculoesquelética é feita para andar e correr, que é a sobrevivência do ser humano. Tanto é que os menores índices de lesão estão nesses esportes, no atletismo. Mas a melhor modalidade mesmo é aquela com a qual a pessoa se adapta.