Márcia Detoni
Enviada especial
Nova Délhi (Índia) – A aproximação política e comercial dos países do hemisfério sul não é apenas uma iniciativa simbólica de resistência à hegemonia dos países ricos do norte, mas uma arma eficaz contra os efeitos nocivos da globalização. A opinião é de analistas indianos ouvidos pela Agência Brasil em Nova Délhi, que vêem com bons olhos o estreitamento das relações entre países como Brasil, Índia e África do Sul, o chamado G-3.
"A única forma de fazermos frente aos efeitos negativos da globalização é os países de futuro se agruparem", disse o cientista político Peter Ronald de Souza, do Centro de Estudos das Sociedades em Desenvolvimento. "A voz deles pode ser ouvida se perceberem que a luta é política", ressaltou.
Souza, que nasceu na ex-colônia portuguesa de Goa, está convencido de que o G-3 ou o G-5 (G-3 mais China e Rússia) têm grande potencial de barganha e ação tanto nos organismos internacionais como fora deles. Como exemplo bem sucedido de articulação política, ele cita a quebra de patentes, pelo Brasil e a Índia, na produção de remédios contra a aids e de medicamentos genéricos.
O cientista político faz questão de ressaltar que seus argumentos não fazem parte de um discurso retrógrado e radical. "Já é consenso que os organismos internacionais defendem os interesses do norte", explica Souza, que se define como liberal.
O economista KRG Nair, do Centro de Pesquisas de Políticas, também se refere ao Brasil e à Índia como "países do futuro", apesar do enorme índice de desemprego e pobreza. "Há muito potencial de crescimento", explica Nair. Na opinião dele, a grande quantidade de recursos intelectuais e tecnológicos nos dois países, além da oferta de mão de obra barata, será um fator propulsor na sociedade tecnológica do futuro e gerador de novos empregos.
Tanto Nair como Souza observam que a Índia, altamente desenvolvida no setor de informática, têm atraído muitos investimentos de empresas norte-americanas e européias decididas a se estabelecer no país para reduzir gastos e se beneficiar do fuso horário, uma que a Índia está várias horas na frente do Ocidente. "Índia e Brasil podem ter um papel de complementaridade quando suas economias se estabilizarem", acredita Nair.
O pesquisador indiano Tamo Chattopadhay, da Universidade de Columbia (EUA) e ex-vice-presidente do banco de investimentos J. P Morgan afirma, por sua vez, que além da parceria política e econômica, o G-3 precisa buscar trocas de experiência na área social. "Justamente por termos problemas quase similares em termos de pobreza e renda e de contraste entre ricos e pobres há coisas que podemos compartilhar", afirma Chattopadhay , que há cinco anos estuda a educação no Brasil e gostaria de ver disseminados na Índia projetos como o Bolsa Escola, destinado à erradicação do trabalho infantil.
A visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Índia será o primeiro contato de alto nível entre os dois governos depois do lançamento, em junho passado, em Brasília, do Fórum de Diálogo India-Brasil-África do Sul (IBAS), o nome oficial do G-3.
Na área comercial, o principal foco do IBAS é liderar a campanha do mundo em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio contra subsídios agrícolas e as barreiras comerciais impostas pelos países ricos.
Na frente política, os três países estão fazendo pressão por reformas no Conselho de Segurança da ONU com a criação de cadeiras permanentes para os países em desenvolvimento. Cada um dos três países pretende concorrer às novas cadeiras como representantes de suas regiões. Atualmente, o Conselho de Segurança é composto por dez membros rotativos e cinco permanentes: EUA, Reino Unido, Rússia, França e China. O conselho permanente tem a palavra final nas grandes decisões da ONU.