Hospital da USP faz 80% dos implantes de ''ouvido biônico'' no país

12/01/2004 - 13h57

Brasília, 11/1/2004 (Agência Brasil - ABr) - Imagine uma pessoa diagnosticada com uma deficiência auditiva grave ou severa a ponto de não poder usar os aparelhos de amplificação sonora comuns. É para esses pacientes que o Hospital de Reabilitação de Anomalias Cranio-Faciais (HRAC/Centrinho), da USP em Bauru, indica o implante coclear multicanal, prótese computadorizada também conhecida como "ouvido biônico".

O implante é formado por componentes internos e externos que substituem o órgão de Corti (órgão sensorial da audição). Os eletrodos do implante estimulam diferentes partes da cóclea (região do Corti), transformando energia sonora em sinais elétricos. Estes sinais são codificados e enviados ao córtex cerebral, o que possibilita ao paciente uma sensação auditiva.

"Uma das primeiras pacientes que recebeu o implante me disse certa vez que só conseguiu entender o porquê de um certo passarinho se chamar bem-te-vi após ter feito a cirurgia", conta a fonoaudióloga Maria Cecília Bevilácqua, do Centro de Pesquisas Audiológicas (CPA) do Centrinho e professora da Faculdade de Odontologia de Bauru (Fob).

Desde 1990 foram realizadas no HRAC aproximadamente 400 cirurgias, desde em crianças com idade de um ano até em idosos. É um procedimento caro que na rede particular pode chegar a até R$ 80 mil (R$ 60 mil da prótese e R$ 20 mil da cirurgia), sendo que, no Centrinho, são feitos 80% dos implantes cocleares do país via Sistema Único de Saúde (SUS).

A operação é realizada com anestesia geral e dura de duas a três horas. Mas o paciente só passa a ter a sensação auditiva após o período de recuperação, de cerca de 45 dias, quando o implante será ativado. "Só então começamos a contar a idade auditiva dele", explica Maria Cecília. De acordo com ela, o aparelho é ligado por meio de um sistema de computação que passa dados e corrente elétrica para o implante. Esses dados precisam ser programados porque o sistema auditivo é individual e os ajustes devem ser feitos um a um. "A partir daí o paciente precisará ser acompanhado para aprender o significado dos sons", explica.

O acompanhamento, segundo a fonoaudióloga, inclui avaliações psicoacústicas e eletrofisiológicas. Em crianças a partir de um ano, é feito a cada dois meses; em adultos, quatro. Gradativamente, o acompanhamento será de duas vezes ao ano para crianças e uma vez ao ano para adultos.

Nesse aspecto, Maria Cecília destaca a importância de uma equipe multiprofissional que auxiliará o paciente na atribuição de significados ao mundo sonoro. Entre os profissionais envolvidos estão fonoaudiólogos, otorrinolaringologistas, assistentes sociais, psicólogos, etc. "O Centrinho é um modelo em resultados clínicos, pois realiza acompanhamento clínico em 100% dos casos." O hospital conta hoje com uma rede informal de cerca de 60 fonoaudiólogos que fazem o acompanhamento de implantados em diversas partes do país.

"Mas, infelizmente, nem todo surdo pode usar esse implante", diz Orozimbo Alves da Costa Filho, médico do Centrinho e professor da Fob. "Existem vários graus e tipos de deficiência auditiva e a cirurgia só é feita segundo um protocolo com critérios que precisam ser observados." Ele também explica que uma das diferenças entre o implante e os aparelhos amplificadores comuns - usados pela maioria dos surdos - é que estes últimos não amplificam muito bem as freqüências agudas, onde estão mais de 70% das consoantes. Além disso, o "ouvido biônico" é implantado dentro do ouvido, por meio cirúrgico.

A parte interna do sistema é colocada por trás da orelha (pavilhão auricular), sob a pele. É composta por um magneto, um receptor-estimulador e um cabo com filamento de eletrodos de 22 canais que se estende desde o receptor-estimulador até a cóclea, e mais dois eletrodos de retorno.

A parte externa inclui um processador de fala (cuja tendência é a miniaturização), responsável por selecionar e codificar os sons mais importantes para a sensação auditiva. Há também um microfone, sustentado por uma pequena caixa, adaptada junto à parte posterior do pavilhão auricular que capta o som ambiental. Um pequeno cabo faz a ligação com o processador de fala. Outro componente é a bobina (antena) transmissora e cabos: mantém-se fixa, externamente, sobre o receptor-estimulador interno por meio de dois magnetos.

O som entra no sistema pelo pequeno microfone retroauricular e é enviado ao processador de fala por meio do fino cabo que os liga. O processador seleciona e codifica os elementos dos sons. Estes códigos eletrônicos são reenviados pelos finos cabos para o transmissor. A antena transmissora, um anel recoberto de plástico, com cerca de 33 milímetros (mm) de diâmetro, envia os códigos por meio da pele para o receptor-estimulador por meio de rádio-freqüência.

O receptor-estimulador contém um circuito integrado que converte os códigos em sinais eletrônicos especiais e os envia pelo filamento de eletrodos, conectados por meio de um fino cabo ao receptor-estimulador. Os sinais eletrônicos codificados são enviados a eletrodos específicos, programados separadamente para transmitir sons que variam em intensidade e freqüência. Estes eletrodos estimulam fibras nervosas específicas que enviam as mensagens ao cérebro. O cérebro recebe os sinais e os intepreta, experimentando-se, então, uma "sensação de audição."

O implante coclear multicanal usado pelo Centrinho é importado dos Estados Unidos, Áustria ou Austrália. É biocompatível (não causa rejeição), além de ser aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) - órgão norte-americano que regulamenta o uso de alimentos e medicamentos - para ser usado também em crianças. (AUN)