Os transgênicos e a saúde (*)

02/01/2004 - 12h29

Vicente Amato Neto e Jacyr Pasternak (**)

Fala-se muito em animais e vegetais transgênicos que têm importância comercial, mas, analisando as coisas de uma maneira objetiva, no momento estão sobretudo em foco apenas algumas plantas de interesse envolvendo a inserção de genes selecionados por engenharia genética: soja, milho, canola e algodão.

Essencialmente dois genes foram introduzidos: um que faz tais plantas produzirem um inseticida originário de bactérias, sem nenhum efeito em mamíferos, e outro que induz resistência a herbicidas, permitindo o cultivo e o uso de substâncias que agirão seletivamente contra as pragas. Nenhum animal transgênico está sendo criado comercialmente, por ora.

Vamos ser francos: perto dos milênios de anos em que o homem, sem saber exatamente como, andou fazendo engenharia genética por seleção de traços que desejou favorecer em animais e plantas, isso não é nada. Só para dar uma idéia, o milho hoje cultivado é inviável se não for manipulado pelo homem - ele simplesmente não consegue se reproduzir; o trigo é um híbrido artificial de pelo menos três plantas diferentes; e, por menos que se possa acreditar, do lobo saíram tanto o chihuahua como o rottweiler, o poodle, o fila brasileiro, o doberman, o galgo e o sharpei.

Consideramos complicado dizer que são necessárias mais experiências para provar que os transgênicos não fazem mal

Por que esse medo dos transgênicos quanto à saúde humana? Afinal, o gene que leva inseticida permite que se evitem muitos outros aplicados nas mesmas plantas, o que provavelmente tem maior impacto na saúde humana. E a resistência genética a herbicidas também permite que se empreguem menores quantidades no campo - isso diminuiria a exposição humana aos ditos.

Também consideramos complicado dizer que são necessárias mais experiências para provar que os transgênicos não fazem mal, pois a prova negativa em biologia é praticamente impossível. Não queremos destacar que estes não devam ser estudados com muito carinho antes de serem soltos por aí; mais do que isso, todo produto de tal natureza requer rotulagem, para que o consumidor saiba o que está comendo, tendo inclusive o direito de não comprá-lo se assim por bem achar, impondo-se, porém, a conveniência de conhecer o assunto.

Riscos potenciais existem. Por exemplo, são conhecidas muitas pessoas com alergias graves ao amendoim e à castanha-do-pará, e, se um gene dessas plantas estiver enfiado em outra, poderá ocorrer reação alérgica severa - por isso a rotulação adequada é essencial.

Há os que interpretam os transgênicos como, potencialmente, instrumentos do imperialismo econômico, já que só firmas multinacionais teriam as sementes modificadas e as imporiam a todo o mundo. Lamentamos dizer que esse imperialismo é muito antigo - a maior parte do milho comercializado vem de sementes patenteadas em mãos de poucas empresas. Por outro lado, nações como a nossa, capazes de produzir pesquisa em área genômica, teriam agora a possibilidade de confrontar essa situação com a produção local de sementes talvez competitivas como as acima citadas.

As áreas em desenvolvimento talvez tenham mais a lucrar com os transgênicos do que os desenvolvidos. O arroz com vitamina A, lembramos como ilustração, não encontra mercado satisfatório nos países ricos, já que lá ninguém precisa dele; contudo seria algo útil aqui ou na África. Novas modalidades de algodão, incluindo algumas que não requerem tingimento, já foram desenvolvidas sem engenharia genética e, seguramente, esse tipo de planta, fundamental para a economia do Paquistão e da Índia, beneficiar-se-ia da manipulação mencionada. Algodão que tolerasse a salinificação seria também algo caído do céu para o Uzbequistão e o Cazaquistão, arruinados por irrigação inadequada na época soviética.

Situação dramática, em muitas regiões em desenvolvimento, é a existência da fome, e melhores vegetais ou animais podem ajudar a atenuá-la, por meio da diminuição de preço e aprimoramento da qualidade de alimentos. Não é o que ocorre na Europa, porque alguns fazendeiros conseguem até ganhar para não produzir e para, provavelmente, arrumar um tempinho a fim de apoiar passeatas contra os transgênicos. Riscos à saúde humana poderão existir, mas a fome é um mal conhecido, prevalente de fato, e não na imaginação, com chance de ser atenuado com mais esse recurso.

Quanto à nossa específica atividade profissional, a infectologia, não tivemos ciência de distúrbios atribuíveis a transgênicos. Nesse contexto, porém, quiçá advenham contratempos. Aguardamos e, a respeito, relatamos uma opinião: alimentos modificados para engordar rapidamente porcos e galinhas provocariam alterações em microorganismos que teriam relação com gripes suínas e aviárias que chegaram ao Ocidente.

(*) Artigo disponibilizado pelo Jornal da USP

(**) Vicente Amato Neto é médico infectologista, professor emérito da Faculdade de Medicina da USP. Jacyr Pasternak também é infectologista e doutor em medicina pela Unicamp.