Norte-americanos violaram a Convenção de Genebra após capturarem Saddam, diz especialista

15/12/2003 - 17h56

Álvaro Bufarah
Repórter Agência Brasil

São Paulo – As autoridades norte-americanas violaram as normas de como tratar um prisioneiro de guerra, dispostas na Convenção de Genebra, logo após a captura de Saddam Hussein. A afirmação é de Tarcísio Jardim, professor em Direito Internacional Humanitário do Centro Universitário de Brasília. Segundo ele, as arbitrariedades já se iniciaram quando os norte-americanos submeteram o ex-ditador iraquiano a um interrogatório. Jardim afirma que Saddam deveria apenas se identificar não sendo obrigado a dar detalhes sobre sua força militar ou sobre sua atuação como governante.

As leis internacionais também proíbem a exposição pública e vexatória de um prisioneiro de guerra. "No caso de Saddam, houve um intuito em mostrá-lo abatido, sujo e barbudo. Uma violação bastante explícita", analisa o especialista. Jardim declara que o direito amplo de defesa e de permanecer em silêncio também se aplicam a acusações referentes a fatos que tenham ocorrido antes da invasão norte-americana. "Se porventura ele for julgado por fatos anteriores à guerra, a Convenção de Genebra também se aplica", destaca.

O professor questiona a legitimidade do julgamento ser feito por um Tribunal Penal iraquiano, modelo que está sendo defendido pelo presidente George W. Bush. A Convenção exige imparcialidade dos juízes que participem da corte, situação que, segundo Jardim, ficará comprometida. "Se os americanos formarem um tribunal misto com juizes internacionais e nacionais, parece patente que a imparcialidade desse tribunal em um território sob ocupação estará comprometida. Portanto, o ideal seria utilizarmos outras estruturas do ponto de vista internacional, como o Tribunal Internacional", defende.

Co-autoria em crimes de guerra

Porém, para que os norte-americanos levem o ditador iraquiano ao Tribunal Penal Internacional (TPI) eles terão de reconhecê-lo como legítimo. Os Estados Unidos não aprovam as decisões desse fórum e chegam a sugerir que seus soldados tenham imunidade.

Tecnicamente, segundo Jardim, o Conselho de Segurança das Nações Unidas pode enviar o caso ao TPI gerando mais um desgaste internacional a imagem dos americanos, caso eles utilizem o direito ao veto. Outro fator que dificulta o julgamento de Saddam se dar em um fórum internacional é que parte das acusações que pesam sobre o ex-líder iraquiano foram cometidas na guerra contra o Irã, ainda durante a vigência da Guerra Fria nos anos 80. Neste período, o maior aliado do governo de Saddam foi os Estados Unidos que financiaram armas e treinaram parte do exército iraquiano.

Dessa forma, os norte-americanos podem ser acusados juntamente com Saddam Hussein por cometerem crimes contra a humanidade, o que acarretaria uma brecha jurídica perigosa para que outras nações pudessem contestar a participação americana em outras ditaduras ao longo da história. "Essa possibilidade de discussão de co-autorias seria um problema para os EUA. O envio desse caso ao Tribunal Penal Internacional seria assustador para os norte-americanos já que nesta instância eles não tem nenhum controle", conclui o jurista.