Brasília - Na próxima terça-feira (2), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva embarca para o Oriente Médio. Visitará cinco países (Síria, Líbano, Emirados Árabes, Egito e Líbia) e, até o dia 10, tentará usufruir do prestígio internacional conquistado nos últimos meses para alavancar oportunidades comerciais e reforçar a imagem do Brasil na região. Lula não estará sozinho. Além de um grupo de ministros e do presidente da Comissão do Mercosul, o argentino Eduardo Duhalde, convidado especial de Lula, o Itamaraty já confirma a presença de representantes de 45 empresas brasileiras.
Os empresários depositam nessa caravana a esperança de estreitar laços com possíveis parceiros locais, a fim de impulsionar as exportações e atrair investimentos. Eles apostam que farão diferença no processo de aproximação a fartura e a qualidade das mercadorias brasileiras, além de um dos maiores mercados consumidores do mundo. A perspectiva torna-se factível quando se observa o perfil econômico das nações da região. Todas dependem da exportação do petróleo e da importação de produtos industrializados, com parques industriais incipientes.
Prova do potencial de sucesso são os resultados das exportações brasileiras para a região. Elas cresceram, só no ano passado, 16% em relação a 2001 e chegaram a US$ 2,6 bilhões. As vendas ao Egito - penúltima parada do presidente Lula no Oriente Médio -, somente nos dez primeiros meses deste ano, superaram as exportações em todo o ano de 2002. Outra: a região responde atualmente por pouco mais de 4% das exportações brasileiras, o que configura uma ocasião favorável para a expansão. Diante dessa realidade, os empresários brasileiros sabem que, a partir da promoção dos produtos e de conhecimentos mais aprofundados dos comerciantes das Arábias e consumidores, os negócios podem prosperar com maior vigor.
Empresas brasileiras circulam, há décadas, por aqueles lados, e podem servir de referência para as que estudam se aventurar no Golfo Pérsico. A catarinense Sadia é uma delas. Está na região desde 1975, e sua marca é sinônimo de frango na região. A penetração naqueles mercados foi possível graças a preços competitivos, que permitiram a popularização do consumo de carne de aves, até então pouco difundido, principalmente entre as classes de baixa renda.
Hoje, a Sadia consegue vender até quibe aos árabes. Mas não foi fácil conquistar a confiança. Para que se tenha uma idéia, por exigência da religião islâmica, os frangos exportados para a região são abatidos com a cabeça voltada para Meca - local sagrado para os islâmicos. Além disso, foi necessária uma série de visitas a supermercados e clientes para convencê-los de que o produto brasileiro era bom e capaz de atendê-los. Representantes comerciais do Oriente Médio também vieram ao Brasil saber se as instalações e os procedimentos da empresa brasileira estavam em conformidade com suas especificações.
A Volkswagen do Brasil viveu situação semelhante. Nos anos 80, vendeu aproximadamente 170 mil veículos para a região. Até hoje é possível ver automóveis Passat trafegando nas ruas de Bagdá, Beirute ou Damasco. A descontinuidade dos negócios, entretanto, prejudicou a companhia. Por quase 15 anos, a VW viu suas vendas minguarem. As negociações só foram retomadas em 2000. Um lote de 150 unidades do modelo Saveiro acaba de ser liberado para o Líbano. Nos próximos meses, será a vez do Pólo Sedan invadir concessionárias sauditas.
De acordo com o gerente de exportações da companhia, Leonardo Soloaga, pequenas adaptações em relação aos exemplares vendidos no Brasil têm ajudado a influenciar os compradores. "O radiador é mais forte para suportar as altas temperaturas. O motor sofreu ajustes para funcionar com gasolina pura - já que no Brasil há mistura de álcool no combustível - e preferencialmente pintamos os carros com cores discretas, como branco, preto e cinza. Eles não gostam muito de cores chamativas", destaca. Ele salienta que, em razão da atual cotação do dólar, o preço do carro brasileiro, com a mesma qualidade dos concorrentes, chega a ser 20% menor.
Outra brasileira que goza do reconhecimento dos árabes é a gaúcha Marcopolo. Vende ônibus urbanos e de turismo, principalmente para a Arábia Saudita. Mas consagrou-se mesmo por fabricar um veículo totalmente voltado ao público islâmico. Dispõe de dois compartimentos, usados para separar os homens das mulheres, e por não contar com teto. Isso para que os fiéis possam rezar e olhar, sem nenhuma barreira, para o céu.
Construção
Um setor que nutre grande expectativa em relação à viagem oficial ao Oriente Médio é o da construção civil. Nos anos 70 e 80, empresas brasileiras foram responsáveis por obras em países como Iraque e Síria. Construíram viadutos, estradas e barragens e querem voltar a se destacar no campo da infra-estrutura. Na opinião do diretor da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, Michel Alaby, a Líbia - última parada do presidente na região - é hoje o principal alvo desse setor. "Tudo está nas mãos do Estado. Se Lula conseguir abrir as portas para as empreiteiras brasileiras, elas terão forte possibilidade de crescer", afirma.
"O interessante é que há espaço para um maior intercâmbio comercial em várias áreas", constata o embaixador dos Emirados Árabes no Brasil, Saeed Aljunaibi. O leque de produtos com chances de aceitação no Oriente Médio inclui equipamentos odontológicos, móveis, pisos, artigos de "pet shop" e perfumes. A companhia paranaense O Boticário, por exemplo, tem encontrado, desde 2000, espaço nas vitrines de shoppings dos Emirados Árabes, ao lado de notórias grifes internacionais - inclusive as francesas. Está nos planos da empresa abrir lojas por lá, com sua bandeira, no segundo semestre de 2004 no país. A meta é aumentar a receita com exportações para a região em 20% ao ano.
Alaby alerta que a visita presidencial é apenas a primeira etapa para as empresas que queiram ganhar visibilidade no Golfo Pérsico. "Os árabes têm um jeito diferente de negociar. Gostam de fazer contatos muitas vezes antes de fechar o negócio. Sem contar que negociam cara-a-cara. Os brasileiros que quiserem vencer terão de regressar ao Oriente Médio". Ele salienta que é uma oportunidade ímpar, no entanto, de o Brasil robustecer sua posição de líder dos países em desenvolvimento nas negociações em torno da Organização Mundial do Comércio (OMC), desde que o país alcançou importante projeção durante a reunião ministerial do organismo internacional, realizada na cidade mexicana de Cancún.
O portão do Oriente
De 7 a 9 de dezembro, será realizada a "Semana do Brasil em Dubai", a principal cidade dos Emirados Árabes. Em um espaço de 900 metros quadrados, no Hotel Jumeirah, empresários terão oportunidade de mostrar produtos e fazer negócios com os importadores locais. Segundo Michele Candeloro, da Agência de Promoção de Exportações do Brasil (Apex) e uma das organizadoras da missão, o evento foi pensado a partir da confirmação da viagem do presidente Lula ao Oriente Médio e será o mais importante do ano, no sentido de promover vendas de bens e serviços.
Ela garante que, para fazer jus ao nome do evento, as cores da bandeira brasileira estarão por todos os cantos. "Serão promovidas atividades com a brasilidade necessária, mas respeitando a cultura local", afirmou. Michele cita o desfile da escola de samba paulista Gaviões da Fiel, que será realizado sem as tradicionais passistas vestindo trajes curtos. Os destaques serão o mestre-sala e a porta-bandeira. Além disso, a tradicional caipirinha brasileira, sucesso no exterior, vai ficar sem lugar: não serão servidas bebidas alcoólicas, em respeito às regras islâmicas nesse sentido. Haverá ainda um jantar com o presidente Lula. O cardápio será de comida típica brasileira. Para acompanhar, refrigerante feito à base de guaraná. Haverá, na ocasião, a exposição de painéis que contam a história da migração árabe para o Brasil.
A escolha de Dubai para sediar a Semana do Brasil no Oriente Médio foi estratégica. Segundo Michele, o país é o mais ocidentalizado da região. O setor financeiro é bastante desenvolvido e atrai negociadores dos países da região, tais como Irã, Índia e Paquistão. Os Emirados Árabes são grandes reexportadores - de tudo o que importam, cerca de 60% são enviados a outros países - "e a simpatia do povo pelos brasileiros é fantástica", garante Saeed Aljunaibi.
A Empresa Brasileira de Turismo aposta na cordialidade do povo brasileiro e nas belezas naturais do país para atrair mais turistas. A Embratur contará com um estande na feira de Dubai para promover o turismo internacional. De acordo com seu presidente, Eduardo Sanovicz, o turismo de "resorts", como os da Costa do Sauípe, na Bahia, tem visível chance de "puxar viajantes" daquela região. A fim de viabilizar a vinda de árabes para o Brasil, ele já negocia acordo com uma companhia libanesa de aviação, a Middle East Airways. A idéia é acertar um vôo charter partindo de Beirute. "De todo modo, vamos participar da feira mais para conhecer esse público e, depois, bolar estratégias compatíveis com o perfil deles", destaca.