Gabriela Guerreiro
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Sete dias, cinco países, e resultados práticos tanto para o Brasil como para o continente africano. A "maratona" de Luiz Inácio Lula da Silva à África não se resumiu ao resgate do "compromisso histórico" que o presidente sempre afirmou ter com o continente mais pobre do mundo. Lula, com ajuda de ministros e da forte atuação da diplomacia brasileira, viu o seu desejo colocado em prática. Conseguiu firmar uma série de acordos e determinar medidas que vão fazer a diferença para milhares de africanos que vivem, ainda hoje, em condições de miséria absoluta.
A primeira escala de Lula foi em São Tomé e Príncipe, ilhas africanas que integram a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), mas são internacionalmente conhecidas por uma das riquezas naturais mais cobiçadas do mundo: o petróleo. A falta de recursos financeiros e de tecnologia para explorar os jazidos do minério, porém, não permitem ao país usufruir da riqueza que detém. A estimativa é que, com um território de apenas 1.000 km2 e 142 mil habitantes, São Tomé tenha capacidade para produzir 11 bilhões de barris de petróleo.
O presidente Lula assinou com o governo de São Tomé e Príncipe um acordo para cooperar com o país na exploração de petróleo. A Agência Nacional de Petróleo (ANP) vai assessorar tecnicamente autoridades santomenses para que possam intensificar a exploração do petróleo. Lula só não escondeu sua insatisfação quando constatou que a Petrobrás não se inscreveu para o leilão de lotes, realizado dias antes de sua chegada, vencido pela empresa norte-americana Chevron, que vai permitir explorar o petróleo no mar de São Tomé. Mas garantiu que vai se informar sobre a questão aqui no Brasil.
Os acordos bilaterais foram muitos, ao longo de todas as etapas da viagem de Lula. O presidente brasileiro esteve acompanhado de cerca de 160 empresários que aproveitaram para ver de perto o quanto o continente africano é atraente para investimentos externos.Foi no encerramento das atividades da Missão Empresarial em Angola que Lula anunciou as medidas mais esperadas pelos empresários, entre elas, a que garante o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ao estabelecimento de empresas brasileiras em Angola.
Em Moçambique, o presidente brasileiro também conseguiu retomar as negociações sobre a participação da Companhia Vale do Rio Doce na exploração do complexo de carvão Moatize, no norte do país. As negociações entre a CVRD e o governo moçambicano estão prestes a ser concluídas, e a visita de Lula deu um impulso a mais para que sejam fechadas. Caso as negociações se concretizem, as novas receitas com carvão permitirão um aumento significativo no volume das relações econômicas e comerciais do Brasil com o país africano.
Social como prioridade
Mesmo tendo a economia em pauta, principalmente para ampliar o mercado exportador brasileiro, os temas sociais exiram grande atenção do presidente Lula. Ele viu de perto a miséria em que vivem africanos de países como Angola, que enfrentou a guerra civil interna por mais de 40 anos, e só no final do ano passado começou a se reconstruir. A educação foi o mote principal dos acordos diplomáticos firmados em Angola, que incluíram a reconfiguração do sistema escolar do país com a qualificação de professores, por meio do aprofundamento do apoio ao projeto angolano "Escola para Todos", que o Brasil auxilia desde 2002.
O programa Bolsa-Escola também vai atravessar o Atlântico para ajudar alguns países visitados por Lula a combaterem o analfabetismo. O primeiro a adotar a experiência brasileira será São Tomé e Príncipe que, por meio de acordo firmado com o governo brasileiro, vai implementar o sistema de remunerar com um valor em dinheiro as famílias que mantiverem crianças na escola.
Mas foi no campo da saúde que o presidente Lula conseguiu firmar o maior número de acordos de cooperação com os países africanos. No ranking de países com o maior número de infectados pelo vírus HIV, Moçambique recebeu do presidente o compromisso de que o governo brasileiro vai transferir tecnologia para a produção de anti-retrovirais. Além do fornecimento de insumos, o protocolo assinado por Lula prevê investimentos nas áreas de educação, capacitação técnica, fortalecimento da sociedade civil e valorização dos direitos das pessoas que vivem com HIV e Aids.
O Brasil também vai apoiar a instalação de uma fábrica de remédios contra a Aids em Moçambique, oferecendo técnicos especializados na produção e, também, auxiliando diretamente na elaboração do projeto para a implantação da fábrica – que terá o custo de US$ 23 milhões. A idéia do governo brasileiro é que a fábrica produza os mesmos anti-retrovirais genéricos que hoje são fabricados no Brasil.
Não é apenas Moçambique que enfrenta e epidemia da Aids. O continente africano, como um todo, sofre com a doença. Técnicos brasileiros da área de saúde serão capacitados para trabalhar com a prevenção e tratamento das DST/Aids em São Tomé e Príncipe. Já em Angola, o Brasil vai atuar diretamente com o envio de medicamentos para cem infectados pelo HIV. O mesmo pedido foi feito pela Namíbia, que solicitou ao Brasil ajuda para implementar tecnologia, a exemplo de Moçambique, para também construir um laboratório de produção de anti-retrovirais no país.
Com um quadro social melhor do que os três primeiros países visitados por Lula (Moçambique, Angola e São Tomé e Príncipe), a Namíbia não deixou de pedir auxílio ao Brasil para solucionar o problema que, além da Aids, ameaça o país a perder a sua estabilidade: a questão agrária. Na Namíbia, o problema revela desequilíbrios estruturais herdados do sistema sul-africano. O governo instituiu um programa de venda voluntária de terras, cujo sucesso tem sido limitado, e anunciou desapropriações, mas pretende resolver o problema dentro dos marcos legais. Por isso, o Brasil vai orientar a Namíbia no que diz respeito ao assentamento e a titulação de terras. Mas não só o setor rural receberá auxílio. Experiências brasileiras na construção de moradias populares poderão ser adotadas para contribuir com o desenvolvimento urbano local.
A última etapa da visita de Lula ao continente africano não foi menos importante. Na África do Sul, a conotação foi política, uma vez que o país mantém uma relativa estabilidade econômica e integra, ao lado do Brasil e da Índia, o grupo do G-3 – que tem como objetivo fortalecer países do hemisfério sul para enfrentar os países desenvolvidos nas negociações multilaterais de comércio exterior. O presidente brasileiro aproveitou para assinar acordos bilaterais na área de cooperação científica e tecnológica, bem como protocolos para evitar a bitributação – que dificulta o comércio entre os dois países. Lula quer intensificar o comércio com a África do Sul e vê no país um mercado promissor para o Brasil estender as suas relações econômicas.
Investimentos de R$ 500 bilhões até 2006
A intenção do governo brasileiro é que, até o final do mandato do presidente Lula, o Brasil tenha investido mais de R$ 500 milhões em São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, Namíbia e África do Sul. Os recursos serão voltados, principalmente, para as áreas de agricultura, saúde e educação.
Segundo o diretor-geral do Departamento da África do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Pedro Motta Coelho Pinto, os recursos fazem parte da primeira fase de acordos com países africanos. "Esses recursos são conservadores. É possível que sejam bem mais, pois ainda existem termos de concessão de bolsa de estudos e vagas em universidades brasileiras", explicou.
A diplomacia brasileira e o próprio presidente Lula fizeram um balanço positivo da viagem. O presidente chegou a confessar, na última entrevista concedida na África do Sul, que deixava o continente de "alma lavada" e com o sentimento de "dever cumprido". Isso porque, segundo Lula, intensificar as relações do Brasil com a África e, principalmente, ajudar o continente a superar as suas principais dificuldades, era um compromisso antigo e pessoal.
A visita de Lula também demonstrou a tônica das negociações internacionais do governo brasileiro. Além de investir nos mercados muito explorados nos últimos anos, como o Mercosul e a União Européia, Lula quer "abrir" os horizontes em busca de novas oportunidades. Durante as décadas de 80 e 90, o comércio com o continente africano foi praticamente inexistente.
Em dezembro deste ano, ele continua a sua jornada em busca de novos mercados exportadores. O presidente vai visitar o Oriente Médio no que já pode ser considerada a nova "jornada" política, econômica e empresarial do presidente e da diplomacia brasileira. Serão seis países visitados em nove dias de viagem: Síria, Líbano, Arábia Saudita, Emirados Árabes, Egito e Líbia. Em janeiro de 2004, o presidente já anunciou que pretende começar o ano visitando a Índia – outro mercado que promete intensificar as relações comerciais com o Brasil. Lula também vai dedicar parte do ano que vem para buscar parceiros considerados de "peso" para a economia brasileira, mas que hoje ainda são pouco representativos na economia do país, como a Rússia e a China.