CPI prepara campanha de combate à prostituição infantil no próximo verão, diz deputada

09/11/2003 - 8h13

Marcos Chagas
Repórter da Agência Brasil

Brasília - Com o trabalho que desenvolve há meses, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Congresso demonstra que a situação da exploração sexual infantil no Brasil é bem mais grave do que se imaginava.

Levantamento feito pelas Nações Unidas revela que o país só perde para a Tailândia no tráfico de crianças que chegam, principalmente, a países europeus e são obrigadas a se prostituir. Uma verdadeira rede criminosa concorre com o narcotráfico e o contrabando de armas.

Nos últimos meses, a CPMI recebeu cerca de 600 denúncias de meninas vítimas de abuso sexual. Entre os denunciados figuram políticos, personalidades, empresários e religiosos. Um caso emblemático é o do ex-campeão mundial de atletismo Zequinha Barbosa, que responde a processo em no Mato Grosso do Sul por denúncia de ter mantido relações sexuais com três meninas menores de 18 anos.

A mais nova, na época, teria 12 anos. Esta mesma menina, segundo parlamentares da comissão, teria sido entregue pela própria mãe, aos dez, a dois políticos de Campo Grande. Na semana passada, os vereadores César Disney (PT) e Robson Martins (PSDB) renunciaram a seus mandatos para não ser investigados pela Câmara local.

Em Soledade, município gaúcho famoso por exportar pedras semi-preciosas, a CPMI descobriu uma rede de tráfico de crianças para empresários brasileiros e estrangeiros que vão ali a negócios A relatora da Comissão, Maria do Rosário, explicou que meninas virgens são "compradas" por empresários locais. Depois de violentadas, as crianças são "oferecidas" aos comerciantes.

Na cidade paulista de Porto Ferreira, a maioria da Câmara de Vereadores deve ser cassada depois que adolescentes denunciaram uma rede de prostituição envolvendo parlamentares. As meninas eram levadas para sítios nas proximidades da cidade onde se promoviam verdadeiras orgias. Há quatro meses, a comissão investiga a denúncia de uma menina que teria sido violentada por um deputado federal.

Com a chegada do verão, os cuidados agora se concentram na elaboração de um relatório preliminar com sugestões ao governo para coibir o turismo sexual. Maria do Rosário quer a participação de toda a sociedade e não apenas do governo neste processo. Para isso, devem ser estabelecidas parcerias com empresas aéreas, rede de hotéis e a Infraero. A seguir a entrevista concedida pela relatora da CPMI à Agência Brasil (ABr):

Agência Brasil- A CPMI levantou uma verdadeira rede criminosa que existe no Brasil de exploração sexual de crianças e adolescentes. Qual a avaliação que a senhora faz dos trabalhos desenvolvidos pela comissão até este momento?

Maria do Rosário– Nós estamos conquistando um importante momento para o Brasil. Em nome das crianças que sofrem e não têm para quem contar o seu sofrimento, em nome daquelas que não recebem a confiança de um abraço desinteressado, de proteção dos adultos a seu redor, nós estamos chamando a atenção da sociedade e promovendo uma grande rede de mobilização. O nosso trabalho é possível porque a sociedade civil, as organizações não-governamentais, parlamentares sérios, instituições que têm responsabilidade estão atuando de forma direta no enfrentamento da exploração sexual. Nós estamos verificando que as pessoas estão tendo coragem de denunciar. E contamos com a ajuda do Ministério Público e com policiais que assumem suas responsabilidades. Esta coragem vai passando por todo o tecido social brasileiro quase que numa renovação de direitos humanos das crianças brasileiras. Na maioria das vezes, o abuso sexual acontece no ambiente familiar. As crianças se calam num silêncio perverso da chantagem jogada sobre ela. A vítima sofre a vergonha e a culpa como se ela fosse responsável por aqueles atos. O mesmo acontece na sociedade que até hoje se calou sobre a exploração sexual de meninas e meninos.

Agência Brasil– Pode-se dizer que a situação, hoje, é tão crítica no interior quanto nas grandes cidades?

Maria do Rosário- É possível. Até porque nas cidades menores, em geral, existe uma atitude de proteção das suas instituições, de suas autoridades. Não há nenhuma dúvida de que o adulto, por si, independente do seu lugar sócio-econômico, é considerado uma autoridade maior que a criança. Ele tem um poder sobre as crianças que exploram, seja esse poder financeiro, coercitivo, emocional, político ou religioso. Verificamos, a partir de diferentes instituições religiosas, as mais diversas, a presença de exploradores sexuais. Este poder que o adulto tem é utilizado, muitas vezes, como forma de pressão para que a criança ou o adolescente não deponha. Escândalos aparecem quando essa barreira é superada. Um exemplo é o caso de Porto Ferreira, no interior de São Paulo. A maioria da Câmara de Vereadores da cidade está praticamente para ser cassada frente a depoimentos de crianças e adolescentes que denunciaram festas nos arredores da cidade, promovidas pelos vereadores, que aliciavam as crianças nas portas das escolas públicas.

Agência Brasil - A comissão deve preparar neste fim de ano um relatório preliminar com sugestões ao governo para combater o turismo sexual no verão de 2004 e no carnaval. Que medidas serão estas?

Maria do Rosário – Elas estão em estudo. Nós estamos determinados a estabelecer uma relação e um trabalho junto ao governo federal, ao Ministério do Turismo e iniciativa privada. Queremos organizar uma rede de proteção à criança que não permita o turismo sexual. Queremos um verão e um carnaval no Brasil livres do turismo sexual. Entre as medidas em análise está a definição de um trabalho conjunto com toda rede hoteleira, que vai estabelecer um compromisso de não ingresso nos hotéis de crianças e adolescentes desacompanhadas dos pais ou responsáveis, como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente. Além disso, estamos pensando em algumas medidas com a Infraero, que poderão ser operadas a partir dos aeroportos, para envolver as empresas aéreas que fazem vôos internacionais para o Brasil.

Agência Brasil - Seria o caso de utilizar a propaganda institucional do governo para se fazer uma ampla divulgação na mídia?

Maria do Rosário – É uma proposta importante. Vamos verificar como poderemos utilizar a mídia oficial, afinal da contas, é um meio para fazermos nossa mensagem chegar em todos os lugares do país. Através da "Voz do Brasil" e de diferentes instrumentos que a mídia oficial detém, de interesse público. E por que não pensarmos nos veículos de comunicação privados? Eles são canais de concessão e podem servir à nação transmitindo um trabalho educativo acerca desta matéria.

Agência Brasil – A CPMI deve pedir nesta semana a prorrogação de seus trabalhos por mais 120 dias. Quais serão os próximos passos nestas investigações?

Maria do Rosário - Nós já recebemos mais de 600 denúncias na comissão, fora as que chegaram ao governo brasileiro pelo disque-denúncia 0800990500 da Secretaria de Direitos Humanos. Com esse material estamos fazendo nossas diligências e nossos trabalhos investigativos. Além disso, estamos analisando o Programa Sentinela, as regiões de fronteira do Brasil, o favorecimento do tráfico de seres humanos e queremos dar respostas aos estados e às denúncias que estamos recebendo. Trabalhamos, especialmente, com o tema das políticas públicas de caráter preventivo da área da educação, saúde e como elas podem contribuir para um Brasil livre da violência contra a criança e o adolescente. Nós temos um grande trabalho pela frente e para isso a principal energia que recebemos é o olhar das meninas que estão confiando, das mães que nos procuram, daqueles que querem justiça e do povo brasileiro para que possamos dizer: a nossa geração está protegendo a criança brasileira.