Universidade estuda os efeitos da atividade mineradora no meio ambiente

07/10/2003 - 14h07

Brasílçia, 7/10/2003 (Agência Brasil - ABr) - No Quadrilátero Ferrífero, um dos principais distritos minerais do Brasil, encontra-se parte das bacias hidrográficas do rio Doce e do rio das Velhas, duas das mais importantes de Minas Gerais. A região foi responsável por toda a riqueza e prosperidade vividas, durante séculos, pelo estado. Estes méritos, no entanto, vieram acompanhados por uma triste herança deixada pela própria existência dos depósitos minerais e também pela atividade mineradora: a contaminação das águas, solos e plantas por metais pesados.

O Grupo de Pesquisa Geoquímica Aplicada a Estudos Geoambientais, sediado no Departamento de Geologia (Degeo) da Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), tem como foco de trabalho o estudo de áreas naturalmente contaminadas pela presença de diversos metais pesados nos depósitos minerais, e daquelas afetadas por atividades antrópicas (relativas à ação do homem sobre a natureza). Há 10 anos, os pesquisadores vêm, por meio do Laboratório de Geoquímica Ambiental (LGqA) do Degeo, aprimorando e ampliando o grau de conhecimento sobre os problemas geoquímicos ambientais locais e regionais.

Por sua vocação natural, o LGqA contribui para a formação de um perfil de atuação especializado no estudo dos efeitos geoquímicos da mineração sobre o meio. De uma maneira geral, o Grupo de Pesquisa, com o apoio analítico do LGqA, procura contribuir para o desenvolvimento de modelos geoambientais, por meio de estudos geoquímicos e hidroquímicos. Esses modelos envolvem o estudo integrado dos fatores geológicos e ambientais em áreas de depósitos minerais e permitem melhor entendimento, antecipação, minimização e remediação dos impactos causados ao meio ambiente.

Atualmente, um problema ligado aos 300 anos de exploração aurífera em Ouro Preto tem preocupado os pesquisadores do LGqA. A possível contaminação das águas dos municípios da região por arsênio é uma questão já levantada por estudiosos, que foi equivocadamente divulgada pela imprensa, gerando apreensão na população local. O arsênio, elemento químico comumente presente nos sulfetos (arsenopirita), é encontrado nos depósitos de ouro da região de Ouro Preto.

A arsenopirita está intimamente associada à mineralização de ouro da região e ocorre, em maior quantidade, nos depósitos minerais subterrâneos. Com a exploração secular do ouro da região, grande quantidade de arsenopirita foi colocada em contato com o ar e, conseqüentemente, sofreu o processo de oxidação, liberando arsênio. O arsênio pode atingir os lençóis freáticos, os cursos d’água superficiais e, em determinados casos, se acumular nas plantas e animais. Os efeitos do contato prolongado com o organismo humano vão desde problemas estomacais até o desenvolvimento de câncer de pele.

A presença do arsênio foi detectada, em 1999, pelos pesquisadores do LGqA em amostras de água coletadas em alguns pontos da região, como na Mina da Passagem, local onde já foram extraídas, oficialmente, 35 toneladas de ouro, durante 284 anos de exploração, e que, hoje, é aberto à visitação turística.

O professor Hermínio Arias Nalini Júnior, coordenador do LGqA, acredita que possa existir, sim, um risco alto de parte das águas de Ouro Preto e Mariana estar contaminada, mas enfatiza que ainda não foram levantados dados suficientes para se tirar qualquer conclusão. "Será necessário, no mínimo, um ano de estudos para que possamos dizer qual a real situação dos recursos hídricos dos municípios no que se refere à possível contaminação por metais", afirma ele. "Ainda assim, a cada ano, deveremos coletar amostras para controle, já que podem ocorrer mudanças físico-químicas no meio", acrescenta.

A existência de captações clandestinas é, segundo o pesquisador, outro fator preocupante. Muitas pessoas encontram água no fundo do quintal, às vezes em galerias antigas de minas de ouro, utilizando-a para o abastecimento doméstico. "Precisamos conscientizar a população a respeito dos problemas que podem ser trazidos pela ingestão do arsênio e de outros metais pesados", alerta. Não é papel dos pesquisadores apontar culpados para o problema, pois o arsênio é encontrado naturalmente nas rochas dos depósitos e nas minas de ouro. Se, hoje, Ouro Preto é considerado Patrimônio Cultural da Humanidade por conservar o maior conjunto arquitetônico do período colonial e tem na atividade turística sua maior fonte de renda, isto se deve às ricas jazidas de ouro encontradas ali pelos bandeirantes.

Ao longo de 2003, serão coletadas amostras de águas em alguns chafarizes e bicas e em todas as captações de água da prefeitura de Ouro Preto. A análise do material permitirá conhecer a concentração de metais nas águas da cidade e, posteriormente, a elaboração de um modelo de gestão e remediação apropriado, caso as suspeitas sejam confirmadas. Os tratamentos de água para retirada de arsênio podem envolver, por exemplo, a utilização de materiais ricos em hidróxidos de ferro, devido a sua alta capacidade de absorção de metais.

Com a aprovação do projeto de pesquisa "Geoquímica das águas e dos sedimentos na região da cabeceira do Rio Doce, sudeste do Quadrilátero Ferrífero - avaliação das contribuições naturais e antropogênicas", o Grupo de Pesquisa ganhou uma nova arma para efetuar as análises com mais eficácia e rapidez. A Fundação de Apoio à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig) financiou a aquisição de um moderno equipamento, de quase US$ 100 mil, que analisa elementos químicos em soluções. O espectrômetro de emissão atômica via plasma (ICP-AES, sigla em inglês) trabalha com diversas matrizes (rochas, sedimentos, água e plantas), lê uma grande variedade de elementos químicos em intervalos curtos de tempo e consegue identificar a presença de baixos valores (algumas partes por bilhão) de um determinado elemento químico na amostra. Desde outubro de 2002, já passaram mais de três mil amostras (testes de calibração, materiais de referências e amostras de água, sedimento e rochas) pelo ICP, ainda em fase de instalação de alguns métodos analíticos.

Durante a década de 80, quando foi criado, o LGqA apenas subsidiava os cursos da Escola de Minas da Ufop. Com a criação, há cerca de cinco anos, de um grupo de pesquisa em geoquímica ambiental e com a parceria oriunda de projetos de cooperação internacional com o Centro de Pesquisa de Águas Continentais da Universidade de Leipzig (UFZ), na Alemanha, o LGqA ampliou seu espaço físico - hoje, composto por oito salas, numa área de mais de 120 m² - e incrementou sua infra-estrutura, sobretudo com a obtenção de mais equipamentos. Além do ICP, mais recente aquisição do Laboratório, o LGqA conta com um espectrômetro de absorção atômica, um polarógrafo, um forno de microondas para digestão ácida de amostras de rochas, sedimentos e plantas, um analisador de carbono, equipamentos de campo para coleta de sedimentos e água, e equipamentos portáteis para obtenção de parâmetros físico-químicos in situ, ou seja, no campo (pHmetro, condutivímetro e oxímetro).

Hoje, o Degeo da Ufop é reconhecido pelo pioneirismo na execução de estudos geoquímicos ambientais na região sudeste do Quadrilátero Ferrífero e na implantação dos cursos de mestrado e doutorado em Geoquímica Ambiental, que hoje fazem parte da área de concentração Geologia Ambiental e Conservação de Recursos Naturais do Programa de Pós-Graduação em Evolução Crustal e Recursos Naturais. Além de diversas dissertações de mestrado, outras tantas teses de doutorado já foram e continuam sendo desenvolvidas pelo Grupo de Pesquisa.

Hoje, alguns projetos desenvolvidos em programas de cooperação internacional, como "Limnologia e Biogeoquímica de Lagos Artificiais (Barragens) de Minas Gerais e do Leste da República Federal da Alemanha" e "Biogeoquímica do ferro, manganês e enxofre em águas e sedimentos de áreas impactadas pela mineração, sudeste do Quadrilátero Ferrífero, MG", estão em andamento no Laboratório, além de seis teses de doutorado e duas dissertações de mestrado - "Hidroquímica e geoquímica dos sedimentos da barragem Rio da Cachoeira, sul do Quadrilátero Ferrífero, MG" e "Implicações geoquímicas ambientais das mineralizações de pirita da região de Ouro Preto, Quadrilátero Ferrífero, MG".

Mais uma vez, o incentivo à pesquisa se faz necessário para o auxílio e orientação dos órgãos públicos na solução de problemas ambientais. A prefeitura de Ouro Preto aguarda os resultados das análises do LGqA para elaborar, ao lado dos pesquisadores, um modelo geoambiental apropriado para o município.

O Ciclo do Ouro

Por volta de 1695, a bandeira comandada por Manoel Garcia de Almeida Cunha, "o Velho", ao buscar água no Córrego Tripuí, deparou com um material desconhecido que chamou de "granitos cor de aço" e que mais tarde constatou ser "ouro de fino quilate" revestido por camada de paládio. Tal fato marcou o início de uma verdadeira corrida às minas gerais e da ocupação e exploração aurífera em toda a região, que em 1711 seria elevada à categoria de Vila Rica de Albuquerque e, posteriormente, em 1823, Ouro Preto, nome dado devido ao tipo do ouro descoberto.

O Ciclo do Ouro brasileiro marcou definitivamente a história do país e do mundo, ao dominar a produção global de ouro durante todo o século XVIII. Das 1.421 toneladas produzidas nesse período, a capitania das Minas Gerais contribuiu com nada menos que 700 toneladas, ou seja, 50% da produção mundial.

A situação durou até por volta de 1800, quando o ouro passou a ocupar um plano secundário na economia nacional, sem deixar, no entanto, de ser explorado com fervor ao longo do século seguinte. No auge do Ciclo do Ouro, as cidades de Mariana e Ouro Preto foram construídas pelas mãos de artistas e escravos, com a suntuosidade digna das mais abastadas colônias da época. As ostensivas igrejas, com seus altares dourados e anjos barrocos, ao lado das ladeiras de pedras e do casario colonial, formam o maior conjunto homogêneo da arquitetura barroca do país. Motivo pelo qual, em 1980, Ouro Preto foi declarada pela Unesco "Patrimônio Cultural da Humanidade". (Minas Faz Ciência)