Vannildo Mendes e Nelson Motta
Enviados Especiais
Havana (Cuba) - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou hoje a assinar em Cuba um conjunto de acordos de intercâmbio nas áreas econômica, tecnológica, empresarial e social que contribuirão para tirar o regime socialista de Fidel Castro do isolamento em que se encontra há 40 anos.
Esses acordos, cujo valor pode ultrapassar os US$ 200 milhões, têm, na prática, três sentidos: dinamizar a combalida economia cubana, dar um basta no bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos há 40 anos e obedecido pela comunidade internacional, além de sinalizar para o mundo a solidariedade brasileira a um país amigo.
Na esfera privada, Lula e Fidel tratarão de temas sensíveis, como a necessidade de fazer avançar o diálogo democrático e a questão dos direitos humanos na ilha. Em retribuição, Cuba transferirá para o Brasil tecnologia e conhecimentos em áreas em que possui excelência. Entre essas áreas estão a segurança alimentar, os esportes olímpicos e a saúde pública.
Conquistas revolucionárias fizeram Cuba alcançar índices de primeiro mundo nessas áreas. O país tem disparado a menor taxa de mortalidade infantil (6,5 por grupo de mil nascidos vivos), a maior longevidade (76,5 anos), o melhor índice olímpico, a menor taxa de desemprego (quase zero) e os melhores indicadores nutricionais da América Latina.
Lula desembarcou no início da tarde (13h15 em Brasília) no aeroporto internacional Jose Marti. Em deferência a Lula, Fidel abriu uma exceção e recebeu o presidente brasileiro no aeroporto. Os dois seguiram juntos numa caravana de onze Mercedes reluzentes para almoçar na Casa de Protocolo, onde Lula está hospedado. A primeira conversa, no almoço, foi descontraída e ao som de músicas brasileiras tocadas pela orquestra do corpo da guarda presidencial. Fidel deteve-se um bom tempo com o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, que morou em Cuba como exilado político durante a ditadura militar brasileira.
Além dele, integram a comitiva brasileira os ministros Humberto Costa (Saúde), Luiz Furlan (Desenvolvimento), Celso Amorim (Relações Exteriores), José Graziano (Segurança Alimentar), Agnelo Queiroz (Esportes) e Luiz Dulci (secretário especial da Presidência). Dulci também foi exilado em Cuba.
Em seguida, os dois presidentes e comitivas participaram, no Palácio da Revolução, da cerimônia de chegada. Fidel brindou Lula com uma cerimônia emocionante, com direito a tapete vermelho e tratamento dispensado apenas aos chefes de Estado mais admirados pelo governo cubano.
Após a execução dos hinos brasileiro e cubano, os dois passaram em revista as tropas. Fidel trajava o seu tradicional conjunto verde oliva de guerrilheiro revolucionário. O andar trôpego revelou o peso dos 77 anos de idade e os percalços da vida engajada que tem enfrentado o presidente cubano.
Fidel cumprimentou afetivamente os integrantes da delegação brasileira, detendo-se por alguns instantes com José Dirceu, a quem dirigiu palavras especiais de agradecimento. Dirceu não resistiu e chorou enquanto abraçava o dirigente cubano. Depois tirou os óculos e enxugou o rosto.
Fidel e Lula vão jantar e manter o primeiro encontro reservado ainda esta noite, no Palácio da Revolução, um magnífico edifício que funcionou como Palácio da Justiça durante a ditadura de Fulgêncio Batista, deposto em 1959 pela revolução socialista.
Os dois governos combinaram não dar publicidade às conversas sobre os temas políticos, sobretudo na questão dos direitos humanos e a necessidade de concessões democráticas no fechado regime de Fidel.
No último briefing antes de embarcar para Cuba, Lula definiu sua visita à ilha como uma viagem de negócios e desconversou quando indagado sobre os temas políticos. "Nem eu e nenhum chefe de estado vai chegar a um país ditando regras para a política interna, estando ou não de acordo". A seguir, o presidente disse que, em outra ocasião, dará sua opinião política e sentará com o governo cubano na busca de soluções.
Lula não perdeu a chance de condenar o bloqueio econômico que, há quatro décadas, sufoca a economia cubana. "Nunca estive de acordo com o bloqueio. Condeno o bloqueio porque ele é desumano, porque nega ao povo a oportunidade que outros países tiveram no mundo".
Apesar da crise, a economia cubana tem resistido como pode, e as conquistas sociais estão sendo mantidas, mesmo a duras penas. Na década de 90, o governo implementou um programa de abertura econômica que vem dinamizando o turismo e modernizando setores, como o da sucateada indústria açucareira.