Brasília - Foram necessários apenas quatro dias. Entre segunda e ontem (25), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva colocou o combate à fome na agenda política mundial. Com um discurso enfático na abertura da 58ª Assembléia Geral das Nações Unidas, no qual defendeu a criação de um fundo de combate à fome capitaneado pelas Nações Unidas e composto por países desenvolvidos e em desenvolvimento, Lula despertou consciências para a urgência do problema, bem como para a necessidade de combatê-lo.
O ministro de Segurança Alimentar e Combate à Fome, José Graziano da Silva, responsável pela execução do Fome Zero Brasileiro, acompanhou o presidente na visita à ONU, que se conclui ontem (25), quando a comitiva segue para o México. De Nova Iorque, por telefone, Graziano concedeu esta entrevista, na qual avalia a repercussão da fala de Lula e suas possíveis decorrências no cenário internacional. Entusiasmado, voltou a defender que as metas do milênio sejam revistas e que a humanidade assuma o compromisso de erradicar a fome até 2015.
Agência Fome Zero - Ministro, como os chefes de estado reagiram ao discurso do presidente Lula, na abertura da 58ª Assembléia Geral das Nações Unidas?
José Graziano da Silva - Sempre é difícil ter uma avaliação porque a assembléia geral é um plenário muito amplo, mas o presidente foi entusiasticamente aplaudido. Aliás, como poucos foram. Antes dele falou o secretário-geral da organização, Kofi Annan, que também foi muito aplaudido. Mas o discurso do presidente Lula, no ato inaugural, foi muito, muito aplaudido. Até porque ele falou antes do presidente dos Estados Unidos George Bush, que fez um discurso defensivo, no qual tentou justificar as atitudes norte-americanas em relação ao Afeganistão e ao Iraque. O presidente Lula terminou com uma expressão muito feliz, em que ele diz que o verdadeiro nome da paz é justiça social. Esse contraste entre um presidente que se ergue para falar da paz e o presidente da maior potência do mundo, que se levanta para falar da guerra foi muito marcante e percebido por todos.
AFZ - É um marco na opinião do senhor essas palavras do presidente dizendo que o caminho da paz é justiça social?
Graziano - Eu acho que além de apontar para o caminho da paz por meio da justiça social, o presidente levantou uma tese muito importante, quando afirmou que no ciclo das grandes conquistas tecnológicas da humanidade não se pode mais admitir uma carência básica que é a fome. O presidente também usou uma expressão muito feliz quando disse que a luta contra a fome é uma luta civilizatória. O que distingue o homem moderno do homem da barbárie é a luta pela sobrevivência, a luta contra a fome. E nós temos pela primeira vez na história da humanidade a possibilidade de erradicar a fome no mundo. Um marco que foi a pela primeira vez levantado nesta assembléia geral das Nações Unidas.
AFZ - O senhor acha que haja espaço no mundo para a criação de um comitê mundial e de um fundo mundial de combate à fome?
Graziano - Perfeitamente. Tanto é que imediatamente após o discurso do Lula, na seqüência do discurso do Bush, falou o presidente da França, Jacques Chirac, que apoiou a idéia. Aliás, apoiou entusiasticamente a idéia. Fugiu do texto para manifestar seu acordo com essa proposta. Explico a razão do entusiasmo. Toda vez que alguém vai a ONU, pede a criação de um fundo, pede um novo organismo. Mas desta vez a proposta brasileira foi ao ponto: é preciso operacionalidade, pôr em prática uma série de conceitos. A idéia de ter um conselho que operacionalize, que ponha em marcha a luta contra a fome, foi muito bem recebida.
AFZ - A proposta de criação de um fundo de combate à fome, na verdade, já havia sido apresentada pelo presidente Lula em outras ocasiões. Agora, com esse discurso, o senhor acha que a proposta está mais perto de ser posta em prática?
Graziano - Eu gostaria de esclarecer essa diferença, que é substancial. O presidente tinha proposto inicialmente a criação de um fundo. Essa é uma proposta que já existia. A própria FAO (Organização para Alimentação e Agricultura, da ONU) tem um fundo mundial de combate à fome. A ONU tem um fundo de solidariedade mundial. O que nós propusemos dessa vez é algo inovador. Não propusemos um fundo. Nós propusemos um mecanismo de gestão dos fundos, de todos os fundos, de todas as propostas. Algo operativo. É isso que tornou a proposta brasileira muito bem recebida. Então nós viemos propor mais que um fundo, até porque o presidente foi muito enfático ao dizer que não adianta se propor fundos se não tivermos doações. E não adianta termos doações se não tivermos execuções. Dessa vez o que nós propusemos foi um mecanismo de execução. Essa foi a inovação da proposta brasileira.
AFZ - Essa visão mundial do Fome Zero ajuda no desenvolvimento do programa aqui no Brasil?
Graziano - Sem dúvida. A luta contra a fome tem que ser mundial. Tem muitos aspectos que extravasam as fronteiras nacionais. Vou lhe citar o exemplo do Brasil. Nós somos um grande país agrícola. Talvez sejamos hoje o maior exportador de alimentos do mundo. Nossa capacidade produtiva é entravada pelos subsídios praticados pelos países desenvolvidos, principalmente os subsídios no comércio mundial, que distorceu os preços dos produtos agrícolas. Você paga, aqui em Nova Iorque, US$ 2 uma laranja, uma mexerica.
Isso é uma barreira que impede que a nossa laranja possa chegar aqui em Nova Iorque, porque os Estados Unidos impedem que a nossa laranja chegue aqui porque os Estados Unidos impõe uma barreira alfandegária de quase 100%. Se esses subsídios fossem retirados, se houvesse menos distorção no comércio mundial, nós poderíamos exportar muito mais alimentos pro mundo e gerar muito mais emprego e renda internamente. Então, não há fronteiras na luta contra a fome. O mundo todo hoje precisa se juntar nessa bandeira.
AFZ - Isso significa que os outros países, assim como o Brasil, tem condições de erradicar a fome até 2015?
Graziano - Nem todos, mas há muitos que podem se colocar esse desafio imediatamente. Não precisamos nem esperar até 2015. Acho que esse é um prazo razoável de colocarmos a erradicação da fome, não sua redução à metade, como meta. Porque a grande pergunta que fica quando nós colocamos a meta de erradicar a metade da fome no mundo é a seguinte: o que nós vamos dizer para a outra metade? Que esperem mais um século passando fome? É isso que nós temos a dizer para o mundo. Nós temos condições de propor uma meta audaciosa, mas possível. Uma meta que será tão mais possível quando todos os países se engajarem nessa luta.
As informações são do site do Programa Fome Zero.
26/09/03