Thaís Antonio
Enviada Especial da EBC
Cachoeira (BA) - As comunidades quilombolas, uma herança dos refúgios dos negros escravizados que começaram a se formar no século 16, vivem, praticamente, da agricultura familiar. Quase cinco séculos depois, esse tipo de organização existe de forma muito expressiva no país. São mais de 2.400 comunidades reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares.
A Agência Brasil publica, na Semana da Consciência Negra, uma série de matérias sobre como vivem os quilombolas descendentes dos negros escravizados trazidos para o Brasil no século 16. Amanhã (20), será comemorado o Dia da Consciência Negra, data em que morreu Zumbi dos Palmares. A cidade alagoana de União dos Palmares, onde morreu o líder do maior quilombo do país, terá uma série de eventos para comemorar a data.
Extrativismo, artesanato, produção cultural, turismo de base comunitária e a venda de produtos feitos a partir de matérias primas produzidas pela comunidade também contribuem para complementar a renda. “A agricultura é a atividade mais forte”, explica o diretor do Patrimônio Afro-Brasileiro da Fundação Cultural Palmares, Alexandro Reis. “O extrativismo também é uma atividade muito forte na área de quilombo. E hoje o governo federal tem apoiado o empreendedorismo, no artesanato, na produção cultural, na geração de renda, na capacitação técnica e na extensão rural.”
Para a lavradora Aurea Paulino, da Comunidade Kalunga, em Goiás, a roça é garantia de tranquilidade. “Você quer uma banana você tem, quer uma mandioca, você tem. O arroz e o feijão, que é o principal, a gente planta. Então eu acho bom, porque não é todo lugar que a pessoa tem esse privilégio”, diz. “Aqui a gente sabe viver sem dinheiro. Aqui não tem violência. Pode sair e deixar a porta aberta. É um lugar tranquilo. Acho bom criar meus filhos do jeito que eu fui criada, estudando e trabalhando na roça”, acrescentou.
No quilombo onde Áurea vive há um forte sentimento de comunidade. Os kalungas se ajudam muito e não deixam um vizinho passar necessidade. Se falta alguma coisa para algum integrante, a comunidade se organiza para ajudar.
Esse sentimento de unidade é muito presente nos remanescentes quilombolas em geral, como explica Ananias Viana, líder da comunidade baiana Kaonge. “Ninguém faz nada no individualismo porque é mais dificil de conquistar. É tudo no coletivo. Até a produção é no nível coletivo. Quem quiser plantar, colher em suas roças no fundo da casa, tudo bem”, destaca. “Mas, para projeto de sustentabilidade, aqui tem que ser coletivo porque é a maneira que os nossos ancestrais fizeram e é a maneira que a gente considera melhor para a produção.”
Os quilombolas kaonges uniram esforços com outros remanescentes que vivem na região do Vale do Iguape (BA) e buscaram no próprio dia a dia a solução para que ninguém precisasse deixar as comunidades em busca de vida melhor. Mais de 300 pessoas de 13 remanescentes da região se organizam em núcleos de produção e fazem a engrenagem funcionar.
Eles plantam frutas, legumes e verduras, colhem mel, cultivam ostras, produzem artesanato e mostram suas atividades diárias para turistas e visitantes. Os jovens participam de todas as atividades e isso integra as diferentes gerações.
Há poucos anos, a cidade de Santiago do Iguape, no interior da Bahia, começou a se descobrir quilombola. O nome quilombola pode até ser novo para os mais de 2.500 habitantes do local, mas os costumes são antigos. “A gente ainda quer continuar no final de tarde tomando um banho de mar, caindo do cais [pulando no rio], a gente ainda quer acompanhar as marisqueiras, ainda quer ver com os nossos idosos, mestres do saber cantando, conversando”, conta Pan Batista, uma das líderes da comunidade nesse processo de reconhecimento.
Para a Comunidade do Muquém, em Alagoas, que fica bem próxima ao famoso Quilombo dos Palmares, foram as mãos no barro que deram um horizonte produtivo para quem vivia ali. Dona Irinéia é uma das famosas artesãs da comunidade e tira da cerâmica o sustento da família. “Eu comecei a fazer bonequinhos para brincar com as coleguinhas, panelinhas para brincar de cozinhar”, lembra.
Anos mais tarde, ela começou a fazer cabeças inspiradas em negros escravizados. “Eu modelava um bolinha, botava um nariz, fazia a boca. As primeiras ficaram muito feinhas. Mas, depois, eu fui melhorando”, conta.
As peças de dona Irinéia já foram vendidas no Brasil e no exterior. “Já vendi para gente de São Paulo, do Rio de Janeiro, Recife, de Brasília, da Paraíba, do Espirito Santo, de Minas Gerais. Vários lugares. Tem uns que eu nem sei para onde fica”, diz. “Outro dia eu estava na casa da minha filha e uma senhora me ligou dizendo que tinha visto o meu trabalho na internet e achado muito bonito. Aí ela disse: você sabe com quem está falando? Você está falando com uma mulher dos Estados Unidos”. Dona Irinéia enviou uma peça para lá, mas disse que não sabe se a “mulher dos Estados Unidos” recebeu.
Edição: Marcos Chagas
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