Gilberto Costa
Correspondente da Agência Brasil / EBC
Lisboa – Até 2014, toda a obra literária de padre Antônio Vieira (1608-1697) - 30 volumes com cerca de 12 mil páginas – deverá ser publicada em Portugal. A edição inclui sermões, textos proféticos, cartas, escritos políticos, poesia e teatro. Os três primeiros volumes (dois contendo A Chave dos Profetas e um com as Cartas Diplomáticas) já estão à venda, os demais serão publicados até o fim do próximo ano.
Segundo a editora que publica a obra, Círculo dos Leitores, uma de cada quatro linhas editadas é inédita – não havia sido publicada até hoje em português ou, no máximo, tiveram edições com conteúdo incompleto. Os originais consultados (manuscritos ou cópias feitas à época de Vieira) foram escritos em português, espanhol, italiano e latim.
“É o maior projeto da história editorial portuguesa. Não é muito habitual, especialmente nas áreas de humanidades, encontrar projetos de grande dimensão feito conjuntamente por portugueses e brasileiros”, diz José Eduardo Franco, um dos coordenadores-gerais do projeto.
O trabalho de pesquisa para a publicação mobilizou investigadores portugueses (37) e brasileiros (15) de diversas áreas (história, filosofia, teologia, direito, economia, literatura, linguística, paleografia, filologia clássica). Os pesquisadores percorreram arquivos em dez países (Portugal, Brasil, Espanha, Itália, Holanda, França, Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos e México). O trabalho tem patrocínio da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa, no valor de 500 mil euros (mais de R$ 1,3 milhão), pagos ao longo de cinco anos, de acordo com a finalização das atividades.
Vieira é figura central do século 17. Clérigo, professor, missionário e diplomata, viveu em Lisboa, em quatro estados do Brasil e em Roma, e frequentou tanto a corte quanto a selva. “Eu costumo dizer que Padre Antônio Vieira foi o Indiana Jones das missões”, brinca o historiador José Eduardo Franco, diretor do Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
O pesquisador lembra o fato de padre Antônio Vieira ter sido jesuíta o que facilitou o acesso a conhecimentos em escala global, mesmo na era colonial. “Ele fazia parte da primeira ordem religiosa global, uma espécie de multinacional, a Companhia de Jesus. Os jesuítas estavam espalhados em todo o mundo. Tinham uma rede de educação extraordinária desde o Japão. Estavam em todos os continentes e funcionavam de forma muito organizada, fazendo a informação circular por meio de relatórios e cartas”.
Vieira conviveu com nobres, religiosos, grandes comerciantes, índios, negros e gente humilde. Praticou e defendeu a tolerância religiosa (com os judeus), foi contra a exploração escravocrata e o etnocentrismo europeu no trato com as populações das colônias. “Esse homem dedicou a vida ao outro, o que era o mais desprotegido”, destaca Margarida Montenegro, diretora de cultura da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
“A visão dele é de que, assim como o rei de Portugal não poderia interferir nos negócios do reino da França ou da Inglaterra, o rei também não teria nenhum direito em relação à soberania dos índios”, complementa João Adolfo Hansen, professor titular da Universidade de São Paulo e especialista em padre Antonio Vieira.
O acadêmico lembra que as ideias e ações do religioso renderam a perseguição pela Inquisição em Portugal. Em uma das cartas publicadas, Vieira sustenta que “em Portugal havia uma instituição que, sozinha, era pior que três flagelos juntos a guerra, a peste e a fome: a Inquisição!”.
Além dos 30 volumes, ainda será editado, até 2016, o Dicionário do Padre Antônio Vieira. Em Portugal, o valor total da coleção chega a 300 euros (cerca de R$ 800).
Edição: Lílian Beraldo
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