Coluna da Ouvidoria - Sem contexto, análise vira julgamento

18/02/2013 - 9h48

Brasília - Quando o Ministério de Trabalho divulgou no dia 25 de janeiro os dados referentes à geração de emprego na economia brasileira em 2012, a Agência Brasil publicou a matéria Criação de empregos formais em 2012 é a pior dos últimos três anos, aponta Caged [1]. Na mesma data e utilizando os mesmos dados, o Repórter Brasil noticiou na TV Brasil que “o Brasil criou mais de 1 milhão de empregos no ano passado, apesar da crise mundial”. A notícia na televisão complementou essa informação com outra comparação: “Em relação ao ano de 2011 o número de empregos com carteira assinada cresceu 3,4%”.

Apesar da aparente divergência, as duas reportagens estão corretas. O número de empregos formais no Brasil aumentou em 2012 – portanto, o ano terminou com um número maior do que no final de 2011. Porém o acréscimo – tanto em valores absolutos quanto percentuais – foi menor do que nos dois anos anteriores, como, aliás, também tinha acontecido em 2011 em relação a 2010. À primeira vista trata-se simplesmente de uma diferença de enfoque.

Entretanto, há leitores que costumam reclamar quando a Agência Brasil coloca títulos que destacam o lado negativo de uma notícia, mesmo quando o lado positivo esteja presente no texto e o destaque no título não represente mais do que uma repetição da ênfase dada pela própria fonte da informação. Quando o assunto se presta a interpretações que implicam avaliações das consequências das ações do governo, os leitores favoráveis ao governo frequentemente aproveitam a oportunidade para acusar a agência de ecoar os veículos da grande imprensa geralmente considerados adversários do governo.

Da mesma forma, no lado inverso da moeda, os leitores que se identificam com a oposição estão prontos a reclamar quando, na percepção deles, um título ou uma reportagem sobre as ações do governo badala o lado positivo sem tocar nos aspectos negativos. Para eles, uma notícia que afirma que houve um aumento no número de empregos formais criados em 2012 em relação a 2011 sem ressalvar que essa elevação foi menor do que em 2011 e 2010 forçosamente reflete ou a ingerência do governo ou a incompetência do jornalista que produziu a matéria. Tanto para estes como para aqueles leitores, na melhor das hipóteses, as informações reproduzidas não passam de meias verdades.

No fundo o grande problema com esse tipo de matéria é a contextualização da informação, ou melhor, a não contextualização, o que, de certo modo, justifica as reclamações dos leitores. Quando a apresentação de dados como os da geração de emprego se limita às comparações com os anos imediatamente anteriores ou com o marcos da sequência histórica, o leitor é conduzido a julgar mais do que analisar os resultados, como se estivesse assistindo a uma competição. Sua atenção se concentra no desempenho do participante em comparação ao seu desempenho em eventos anteriores ou em comparação ao desempenho dos seus antecessores e a avaliação do resultado se enquadra em uma perspectiva análoga ao paradigma do copo meio cheio/meio vazio, conforme as preferências do espectador. Além disso, como constatamos nas reclamações que a ouvidoria recebe, essa tendência de julgar em vez de analisar é suscetível à interferência das paixões políticas, que independem das filiações partidárias.

Para contextualizar uma notícia como essa sobre a geração de emprego, o quadro de referências mais adequado se compõe de elementos relacionados à própria economia e às características demográficas da população. Na matéria publicada pela ABr e mesmo na notícia divulgada na TV Brasil há sinais que apontam nessa direção com as referências à crise mundial. A matéria da ABr, que dispõe de mais espaço do que uma notícia televisiva, vai um pouco mais longe ao citar o ministro do Trabalho, Brizola Neto: “Ainda que não como nos anos anteriores, atendemos ao crescimento da população economicamente ativa (PEA)", ele explicou. Mas sinalizar não é contextualizar.

Em relação ao crescimento econômico, podemos assinalar que a taxa de aumento de empregos formais em 2012 foi superior ao aumento do Produto Interno Bruto, PIB, (3,4% contra uma previsão de algo em torno de 1%). Qual é o significado desse fato? Para começar, podemos observar que desde o início da série histórica do Caged em 2003, a taxa de aumento de empregos formais superou o aumento do PIB em todos os anos, salvo em 2007 e 2008, que foram dois dos três anos que registraram o maior crescimento econômico do país durante o período. Então, seria correto concluir que os resultados de 2012 representam fundamentalmente a continuação de uma tendência que caracteriza a recente evolução da economia brasileira? Caso afirmativo, isso nos diz algo sobre as forças que vêm impelindo o crescimento na fase atual e quais são as implicações para a produtividade e a sustentabilidade do modelo?

Da perspectiva do mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que houve uma queda relativa na geração de novos empregos formais, outra matéria publicada pela Agência Brasil nos informa que, segundo a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de desemprego no país fechou o ano de 2012 em 5,5%, atingindo o patamar mais baixo da série histórica iniciada em março de 2002, como vinha sendo esperado com base nos resultados mensais registrados ao longo do ano [2].

Para reconciliar essas informações, carecemos dos dados referentes às outras variáveis que caracterizam o mercado de trabalho no país. Uma é o crescimento da PEA citado pelo ministro do Trabalho. Dentre as outras figuram as tendências do mercado de emprego informal, que ainda respondia por mais da metade da mão de obra ocupada no setor privado no Brasil em 2012, segundo o IBGE [3]: do contingente de desocupados que ainda procuram trabalho e, fora da PEA, dos “desalentados” que desistiram de procurar trabalho. Seria interessante saber, por exemplo, se a defasagem entre as exigências do mercado de trabalho e a qualificação dos trabalhadores, que têm contribuído para a valorização do salário médio dos trabalhadores que ocupam postos formais, têm motivado simultaneamente o deslocamento de trabalhadores da categoria de “desocupados” para a de “desalentados”, que contam da mesma forma com o auxílio fornecido pelos programas oficiais de transferência de renda. Em uma perspectiva mais ampla, o que os dados demográficos referentes à estrutura etária da população indicam sobre a as mudanças na PIA (população em idade ativa, entre 15 e 64 anos), que abrange todas as categorias mencionadas, mais algumas (por exemplo, as pessoas incapacitadas para o trabalho)?

Enfim, para proporcionar ao leitor as informações que possibilitem uma análise dos resultados da geração de emprego, é imprescindível que esses dados sejam cruzados com outros e que os resultados dos cruzamentos sejam submetidos ao escrutínio dos especialistas no assunto para extrair seus possíveis significados. Só assim o leitor terá a contextualização necessária para analisar antes de julgar.

1-  http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-01-25/criacao-de-empregos-formais-em-2012-e-pior-dos-ultimos-tres-anos-aponta-caged
2- http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-01-31/atualizada-desemprego-fecha-2012-em-55-menor-taxa-da-serie-historica
3- http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-01-31/numero-de-trabalhadores-com-carteira-assinada-cresce-mas-em-ritmo-menor