Akemi Nitahara
Repórter Akemi Nitahara
Rio de Janeiro – Os casos de de Daniel Carvalho de Souza, Maria Cristina da Costa Lyra e Maria Célia de Melo Lundberg foram apreciados hoje (8) pela Caravana da Anistia, da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça na sua edição de número 62. A sessão ocorreu no Armazém da Utopia, espaço do Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro, onde ocorrem debates e sessões populares.
Maria Célia era professora em Belo Horizonte e foi presa em 1971, junto com o irmão Hervê, por ser militante da Aliança Nacional Libertadora (ALN). Torturada e violentada sexualmente, foi para o exílio na Suécia e não voltou mais ao Brasil, até a sessão de hoje da Caravana da Anistia.
Emocionada, Maria Célia falou da dificuldade de superar o trauma. “De muitas formas tenho me realizado na Suécia, embora tenha sido um caminho de muita luta, constante e dura. No entanto, sinto que não pude fechar o capítulo da tortura e da repressão. Aqui volto porque quero e espero que possa fechar esse capítulo doloroso para mim e para a minha família, que também sofreu pelo que aconteceu comigo”.
O presidente da comissão, Paulo Abrão, disse que, mesmo depois de tanto tempo do Estado Democrático de Direito restaurado no Brasil, ainda existem brasileiros exilados políticos, como é o caso de Maria Célia. “As pessoas não acreditam que ainda existem exilados, que ainda não estão no Brasil, em razão do medo ou da ausência de confiança suficiente nas instituições da democracia de hoje, para poder retornar com segurança. No fundo é isso que nós procuramos fazer, resgatar a segurança pública e cívica dos cidadãos no Estado”.
Maria Cristina tinha 19 anos quando foi presa e torturada por integrar o Partido Revolucionário dos Trabalhadores, em 1970. Por causa da tortura, tentou suicídio duas vezes e foi monitorada pelo governo mesmo depois da publicação da Lei da Anistia, em 1979. Ela disse que pertence a uma geração que sonhou com a liberdade, com uma sociedade justa e igualitária e um Brasil democrático. “Essa luta para muitos de nós culminou na prisão, onde conhecemos a crueldade, a brutalidade, a tortura, um jogo perverso da crueldade. Mas apesar de todos os infortúnios, vivemos motivos de grande esperança e motivo de celebração, ao encontrar até no ambiente hostil do cárcere seres capazes de exercer a solidariedade, a bondade, a compaixão, o amor ao próximo”, disse.
Abrão ressalta que a repressão no Brasil, diferentemente do que ocorreu em outros países da América do Sul, foi econômica. “A forma mais recorrente de perseguição política da ditadura brasileira, distintamente de outras, foi a perseguição econômica, foi por meio das demissões arbitrárias e o afastamento profissional. Quando as pessoas dizem que na Argentina, no Chile a repressão foi pior porque lá houve mais mortos, mais desaparecidos, é porque elas ignoram que os métodos repressivos estão relacionados com os contextos históricos de cada país. A violência de uma ditadura não é medida pela pilha de corpos que ela é capaz de produzir, mas sim pela cultura autoritária que ela projeta no tempo”, ressaltou.
O último caso analisado no Armazém da Utopia foi o de Daniel, que viveu a infância e parte da juventude na clandestinidade, passando por vários países, devido à perseguição política a seus pais, Irles Carvalho e Herbert José de Souza, o Betinho, os dois já anistiados pela comissão. Daniel não consegue esquecer a sensação de ter que deixar tudo para trás mais de uma vez. “Eu acho que o que ficou daquela época, talvez a parte mais complicada, é você passar 15 anos com a sensação de que onde quer que você esteja, eu não pertencia àquele lugar, sabia que algum dia, aonde eu estivesse, eu ia sair dali e ao mesmo tempo a gente mantinha uma relação muito forte com o Brasil, com a música brasileira, com a comida brasileira”, disse.
O presidente da comissão justifica a concessão de anistia aos filhos dos perseguidos por eles também passarem por uma situação de privação de seus direitos fundamentais. “Tem direito à anistia, à reparação, todos aqueles que foram atingidos por atos de exceção durante a ditadura militar. E atos de exceção são todos aqueles violadores dos nossos direitos fundamentais segundo a normalidade democrática. Não que hoje, na democracia, os direitos das pessoas não sejam violados, mas ocorre que durante a ditadura militar eles foram violados deliberadamente, o Estado que existe para ser um ente artificial de proteção das pessoas foi instrumentalizado para ser o contrário disso, para ser um ente de perseguição e destruição da vida das pessoas”.
Os três casos de requerimento de anistia analisados hoje foram deferidos por unanimidade. Após a sessão ocorreu o lançamento do filme Eu Me Lembro, de Luiz Fernando Lôbo, documentário sobre o trabalho da Caravana da Anistia nos últimos cinco anos, dentro da programação do Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro.
Edição: Aécio Amado