Guilherme Jeronymo
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro - O Conselho Regional de Enfermagem do Rio de Janeiro (Coren-RJ) anunciou que irá entrar com ação civil pública contra as resoluções 265 e 266/2012 do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) que proíbem a participação de médicos obstetras em partos domiciliares e a presença das obstetrizes (profissionais da área de saúde que acompanham as gestantes no pré-natal, parto e pós-parto), doulas (acompanhantes) ou parteiras em ambientes hospitalares.
“As resoluções do Cremerj inibem o direito da mulher de decidir onde e por quem será acompanhada no seu parto, praticamente a obrigando a dar à luz no hospital. O Cremerj desrespeita os preceitos dos manuais do Sistema Único de Saúde (SUS) sobre os direitos sexuais e reprodutivos, além dos decretos do Ministério da Saúde referentes à humanização no parto”, afirmou a entidade em nota divulgada em seu site na última sexta-feira (20). O documento é assinado pelo presidente da entidade, o enfermeiro Pedro de Jesus. O Coren representa os enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem, além de obstetrizes.
Segundo a nota o Coren critica os vetos e os classifica de “atitude arbitrária, inconsequente, antiética e ilegal”. A entidade informou que finaliza um documento para ser encaminhado ao Ministério Público, solicitando medidas contra as resoluções.
O Coren reclama ainda de um abuso de poder por parte da entidade representativa dos médicos. “[O Cremerj age] impondo fiscalizações ao trabalho de enfermeiras e parteiras, bem como das casas de Parto, quando obriga as equipes de emergência a notificarem o Conselho de Medicina, sempre que ocorrerem complicações em pacientes submetidas a partos domiciliares e seus conceptos ou oriundas das chamadas casas de Parto.”
A coordenadora do curso de Obstetrícia da USP, Nadia Zanon Narchi, disse que encarou com surpresa as duas resoluções do Cremerj, em especial pela inclusão das obstetrizes. A USP formou, desde 2008, cerca de 120 profissionais do ramo, que são registradas oficialmente como enfermeiras obstetrizes no Coren, após quatro anos e meio de curso. Não há notícias, segundo Narchi, de atuação desses profissionais fora do estado de São Paulo, o que causa uma sensação de estranhamento diante da inclusão da categoria na resolução.
“O mercado de trabalho exige uma mudança na forma como as mulheres são atendidas. O atendimento obstétrico hoje é muito ruim, o Brasil consegue ser o campeão mundial de cesáreas, hospitais privados não tem vaga, e os médicos ficam loucos porque agendam cesáreas desnecessárias”, critica Narchi.
Em relação à presença das acompanhantes nos hospitais, o conselheiro do Cremerj Luís Fernando Moraes esclareceu ontem (22), em entrevista à Agência Brasil, que elas não têm nenhuma formação na área da saúde. “Pessoas leigas dentro de uma sala cirúrgica, atuando, nós achamos que isso é inseguro também para a paciente, porque essas pessoas não têm formação, não têm noções de assepsia, de cuidados. Por isso, a gente tenta proteger a paciente com essas resoluções”, disse. Além disso, segundo ele, o Conselho Federal de Medicina e a própria Sociedade de Ginecologia consideram o parto domiciliar “um retrocesso e inseguro”. O profissional que desobeder a resolução responderá a processo disciplinar.
A Associação de Alunos e Egressos do Curso de Obstetrícia da Universidade de São Paulo estuda entrar com ação, com auxílio do Ministério Público paulista, contra as resoluções do Cremerj. Segundo Narchi, aguardam somente a definição das formas legais que estão a seu alcance para tal.
“Estamos em um processo mundial de fortalecimento da parteira, a começar pela Organização Mundial da Saúde, dizendo que os países que conseguiram melhorar os seus indicadores de atendimento a assistência obstétrica foram aqueles países que inseriram obstetrizes e enfermeiras obstetrizes na assistência. Os médicos ficam resistentes, eles têm medo disso, por ignorância, medo por perda de poder, medo porque o mercado da cesárea é um mercado altamente lucrativo, e começam a atirar em todo mundo”, afirmou Narchi.
Principal programa do governo para a maternidade, a Rede Cegonha prevê que a gestante conheça previamente a unidade de saúde onde terá o bebê e tenha direito a um acompanhante, de livre escolha, durante a internação. A Rede Cegonha, lançada em março de 2011, é uma estratégia do Ministério da Saúde operacionalizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e fundamentada nos princípios da humanização e assistência às gestantes e aos bebês.
Edição: Talita Cavalcante//Matéria alterada para esclarecer informação às 13h07.