Paula Laboissière
Repórter da Agência Brasil
Brasília – Joana de Souza Schmitz, 29 anos, engravidou da primeira filha em 2009. A gestação, segundo a jornalista, foi planejada e chegou mais rápido que o esperado. Mas a surpresa maior veio quando se completaram as 12 semanas de gravidez – o feto foi diagnosticado com anencefalia, um tipo de malformação rara do tubo neural.
“A médica imediatamente falou de ambas as opções [abortar a criança ou seguir com a gestação], mas a gente já sabia que queria continuar com ela. Ela estava viva e havia uma esperança”, contou, em entrevista à Agência Brasil. Apesar dos relatos médicos de que o feto não seria compatível com a vida, o bebê recebeu o nome Vitória de Cristo e completa 2 anos e 2 meses de vida na próxima sexta-feira (13).
A menina nasceu com 1,775 quilo e 38 centímetros. Aos quatro meses, enfrentou uma cirurgia de fechamento do crânio, na tentativa de reduzir os riscos de infecção. “Desde que veio para casa, surgiram outros desafios. É uma criança com uma deficiência neurológica grande, mas ninguém a trata como caso perdido”. Atualmente, Vitória faz fisioterapia, fonoterapia, come alimentos sólidos e reage a estímulos por meio do uso de música e brinquedos.
“A conclusão a que a gente chega é que ela tem muita vontade de viver. Ela sente esse amor e é uma alegria ver que ela quer ficar com a gente. Não obrigamos Vitória a nascer e a viver. Foram cuidados paliativos que tomamos e ela sempre respondeu muito bem”, disse Joana. “Durante a gravidez, senti que era melhor continuar. Já a amávamos antes do diagnóstico e esse amor não podia mais diminuir.”
Patrícia Oliveira*, 32 anos, também precisou tomar uma decisão depois de receber a notícia de que o bebê que carregava na primeira gestação não sobreviveria. Na época, com 29 anos, a executiva de eventos esperava saber o sexo do bebê quando recebeu o diagnóstico de anencefalia do feto. “Naquele momento, eu desabei. O chão se abriu”, contou. Poucos dias depois, aos três meses de gestação, ela optou por interromper a gravidez.
Os pais de Patrícia vieram de São Paulo para acompanhar todos os procedimentos médicos a que a filha seria submetida. Ela precisou tomar medicamentos para induzir o nascimento do feto. Ao todo, foram 24 horas de trabalho de parto. O obstetra que cuidou do caso não permitiu que uma cesariana fosse feita para que a cicatriz física não existisse.
“Me perguntaram se eu queria ver o bebê, mas eu estava com o rosto virado. Senti apenas o contato com a pele. Pedi que não fosse feita biópsia e que ele fosse despachado junto com o lixo hospitalar.”
Depois do parto, como a placenta não havia sido expulsa, Patrícia passou por uma curetagem. Ao final, ela teve de amarrar uma faixa para que os seios não crescessem e tomou remédio para secar o leite.
Passados quase três anos, Patrícia hoje se arrepende de ter feito o aborto. “Enfrentaria os nove meses para ficar com ele por uma hora ou por alguns minutos. Mas a mulher tem que ser muito corajosa, muito autossuficiente para isso. Não seria fácil, seria uma luta diária, uma barra, como quem tem filho com paralisia infantil”, disse.
Já a microempresária Cátia Corrêa, 42 anos, defende com firmeza a decisão que tomou há 20 anos, quando interrompeu a gestação do filho que esperava, diagnosticado com anencefalia. Um ultrassom, feito no quinto mês de gravidez, identificou a malformação, além de deformações na coluna vertebral, nas pernas e nos braços do bebê.
“Meu mundo parou. Os médicos falavam, mas eu já não ouvia nada. Eles diziam que ou morreria na barriga ou nasceria e morreria no parto”, contou. Cátia foi a primeira mulher no estado de São Paulo a conseguir uma autorização judicial para abortar um feto com anencefalia. “É uma sensação muito ruim a de querer o seu filho e saber que ele vai nascer morto. Entrar na Justiça foi minha melhor decisão”, completou.
Passados quatro anos, ela decidiu engravidar novamente. Atenta a todas as precauções, a empresária tomou ácido fólico durante os três meses que antecederam a gestação e nos quatro meses seguintes. Montou o quarto do bebê, fez enxoval e se preparou para a chegada da filha. No oitavo mês, um ultrassom que não havia sido feito anteriormente por falta de plano de saúde identificou anencefalia no feto.
“Morri mais um pouco naquele dia. Saí de lá e não via nada, só chorava. Não tinha o que fazer, tinha que esperar nascer. Passados alguns dias, entrei em trabalho de parto”, relatou. A criança morreu em seguida. Cátia engravidou uma terceira vez, mas sofreu um aborto espontâneo. Hoje, vive com o marido e os quatro filhos que adotou – dois meninos de 9 e 10 anos e gêmeas que completam 5 anos em maio.
“Faria tudo de novo. Ainda sou contra o aborto quando a mãe não quer o bebê. Acho um absurdo porque muitas mulheres querem e não podem. Mas digo, sim, para o aborto de anencéfalo, pelas minhas próprias dores.”
O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma amanhã (11) a votação que decidirá se mulheres poderão interromper a gestação de fetos anencéfalos. A Corte irá analisar ação, ajuizada em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), que defende a descriminalização do aborto nesses casos. A entidade defende que existe ofensa à dignidade humana da mãe uma vez que ela é obrigada a carregar no ventre um feto com poucas chances de sobreviver depois do parto.
* Nome fictício a pedido da entrevistada // Edição: Lílian Beraldo