Vitor Abdala
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro – Enquanto as autoridades de segurança do Rio de Janeiro comemoram a queda dos registros de homicídios no estado, dados da Secretaria Estadual de Saúde mostram um aumento expressivo no número de mortes violentas de intenção desconhecida em 2009, inclusive por armas de fogo. Os dados, compilados pela Secretaria de Saúde, são repassados ao Ministério da Saúde, para a elaboração das estatísticas de mortes por causas externas no país.
Os dados já repassados ao Ministério da Saúde apontam uma queda de 22,2% nos homicídios entre 2008 e 2009. Mas também mostram um aumento expressivo de 73,2% nas mortes por causas externas sem intenção determinada (ou seja, quando não se sabe se foi homicídio, suicídio ou acidente).
Se em 2008, a Secretaria Estadual de Saúde repassou informações sobre a ocorrência de 5.395 homicídios e de 3.261 mortes sem intenção determinada, em 2009, foram repassados os registros de apenas 4.198 homicídios ante 5.647 mortes de intenção desconhecida.
O problema do registro do óbito como de intenção indeterminada é que ele não especifica em que situação ocorreu a morte, diferentemente dos registros classificados como “acidentes de transporte”, “outros acidentes”, “suicídios”, “agressões (ou homicídios)” ou “intervenções legais”.
O sociólogo Ignacio Cano, subcoordenador do Laboratório de Análises da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), diz que o número de mortes violentas sem intenção determinada tem aumentado, sem motivo aparente, nos últimos anos no Rio.
Esse tipo de morte começou a aumentar, mais especificamente, no ano de 2007, quando foram registradas 3.191 ocorrências, 90,4% a mais do que em 2006, quando foram registrados 1.676 óbitos. Em 2008, o número chegou a 3.261. Juntamente com esse aumento, houve uma queda nas mortes registradas como homicídios, que reduziram 11,3% de 2006 para 2007.
O número de mortes sem intenção determinada nos últimos anos é alto mesmo se comparado com a média de 2000 a 2006, que oscilou entre 1.446 (em 2004) e 2.047 (em 2003).
“Historicamente, nos anos 90, a proporção de mortes com intenção desconhecida era muito alta. Aí a Secretaria de Saúde fez um esforço muito grande para diminuir esses dados. Por exemplo, se tinha dois disparos, não podia mais ser suicídio, então já era homicídio. Com isso, se conseguiu reduzir bastante o número de casos de intenção desconhecida. E esse crescimento recente é surpreendente, porque a tendência era uma melhora no Brasil e no Rio”, afirmou Cano.
O total de óbitos por causas externas no Rio de Janeiro chegou a 14.136 em 2009, isto é, 2,4% abaixo de 2008 (14.480). O número de óbitos com intenção indeterminada representou cerca de 40% em 2009. Entre 2000 e 2006, a média de mortes com intenção indeterminada variou de 10% a 13%. Em 2007 e 2008, o percentual já subiu para 21% e 22%, respectivamente.
Para o sociólogo, o grande número de mortes violentas sem intenção determinada é “preocupante” porque os dados do Ministério da Saúde são usados como base para saber se os registros de homicídios divulgados pela polícia são verdadeiros ou se estão sendo manipulados.
“Fico até muito preocupado porque num contexto como esse, em que os dados da polícia mostram uma queda bastante pronunciada dos homicídios, a gente precisa confirmar isso com os dados da saúde. Mas se os dados da saúde vêm com problema, a gente fica muito preocupado. A gente usa os dados da saúde para validar os dados das polícias. Então, quando os dados da saúde têm um problema, é um duplo problema”, disse o sociólogo.
O fato dos dados de 2009 serem preliminares não explica, por si só, a situação do Rio de Janeiro, já que o estado foi o único entre as 27 unidades da federação que apresentou mais registros de mortes violentas sem intenção determinada do que registros de homicídios.
Quando analisadas as 5.647 mortes sem intenção determinada no estado em 2009, pelo menos 874 foram provocadas por disparos de armas de fogo. Em nenhum outro estado, tantas mortes por armas de fogo foram catalogadas como “de intenção indeterminada”. Mesmo no estado do Rio de Janeiro, nos anos anteriores, esse número foi bem inferior.
Entre 2004 e 2006, esses registros foram de 233, 248 e 146, a cada ano. Em 2007 e 2008, já houve um aumento das mortes por arma de fogo de intenção desconhecida: 442 e 462, respectivamente.
Segundo uma fonte do Ministério da Saúde, a Secretaria de Saúde do Rio já foi contatada para esclarecer o grande número de mortes sem intenção determinada e tem até o segundo semestre deste ano para corrigir ou manter os dados.
“Nos últimos anos, isso tem sido um problema no Rio de Janeiro. Tenho conversado com Brasília [Ministério da Saúde] e eles dizem que alguns estados, mais especificamente o Rio de Janeiro, têm tido problemas com qualidade das informações”, disse Ignacio Cano, que trabalha comparando os dados de homicídios do Ministério da Saúde com aqueles informados pela polícia.
A assessoria de imprensa da Secretaria Estadual de Saúde informou que sua subsecretaria de Vigilância em Saúde assinou, há dois meses, convênio com o Instituto de Segurança Pública (ISP) para esclarecer a causa dessas mortes que constam nos relatórios como “intenção indeterminada”.
A assessoria esclarece que os casos relacionados aos anos de 2009 e 2010 já foram passados ao ISP que está pesquisando a circunstância dos óbitos. “Logo que a pesquisa esteja concluída, os casos serão encaminhados para o Setor de Dados Vitais da Secretaria, que irá corrigir as informações no sistema”, informou a secretaria.
Segundo a assessoria de imprensa, o “problema” é decorrência da falta de identificação da circunstância do ferimento que levou à morte na declaração do atestado de óbito expedido pelo Instituto Médico Legal. “O atestado informa o ferimento, mas não esclarece se ele é resultado de homicídio, suicídio ou acidente. Por isso, o caso acaba entrando no sistema como intenção indeterminada”, disse a secretaria.
A Secretaria de Saúde não esclarece, no entanto, porque o número de mortes de intenção desconhecida quase dobrou entre 2006 e os anos de 2007 e 2008 (período da atual gestão da Secretaria de Saúde).
Edição: Lílian Beraldo