Com IDH africano, Favela do Mandela vive apartheid social no Rio

13/06/2010 - 10h52

Vladimir Platonow
Repórter da Agência Brasil

Rio de Janeiro - A história de luta do líder sul-africano Nelson Mandela serviu de inspiração para dar nome a uma comunidade pobre na zona norte do Rio. A Favela do Mandela - localizada no Complexo de Manguinhos, numa área conhecida como Faixa de Gaza - apresenta um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) próximo ao de países da África.

Enquanto bairros cariocas como a Gávea, na zona sul da cidade, apresentam um IDH de 0,970 - compatível com o da Noruega, primeira colocada no ranking de 2009, com 0,971 - as comunidades de Manguinhos registram um IDH de 0,726, o que as coloca abaixo de países como Gabão (0,755) e a Argélia (0,754). Na Gávea a expectativa de vida chega a 80 anos, enquanto para os moradores da favela do Mandela fica em torno de 66 anos.

Na entrada da favela, decorada com bandeiras do Brasil e fitas verde-amarelas, jovens de aproximadamente 18 anos de idade cuidam de uma ‘banquinha” de cocaína, protegidos por uma espingarda. As ruas são de difícil acesso, pois os traficantes bloqueiam a pista com blocos de concreto, a fim de deter ataques de grupos rivais ou da polícia.

A favela do Mandela cresceu em torno de um conjunto habitacional batizado com o nome do líder sul-africano, em 1990, e se divide em Mandela 1, Mandela 2 e Mandela de Pedra - esta mais pobre e resultante da ocupação de terrenos públicos de forma desordenada.

Segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população do complexo de Manguinhos era de 31 mil habitantes em 2000. Mas de lá para cá o número de moradores aumentou muito, o que é constatado pelo adensamento horizontal e vertical das moradias nas favelas da região. As casas se apóiam umas nas outras, construídas em precárias condições. Algumas em madeira e quase todas com tijolos aparentes.

A infraestrutura oficial é quase inexistente e benefícios como água e luz são frutos de iniciativas próprias dos moradores. O esgoto corre na frente das portas, em becos estreitos, onde as crianças brincam de pés descalços ou, no máximo, com um chinelo de dedo. A incidência de micoses é tão frequente que as mães têm que levar os filhos todos os meses ao posto de saúde por causa da recontaminação.

“A gente queria sair daqui, dar uma coisa melhor para os nossos filhos. Quando chove a água entra dentro de casa e tem muito rato também. Por causa do esgoto, tem que levar as crianças sempre no posto. A perna fica toda marcada, é muito chato”, reclama a dona de casa Verônica Farias, enquanto se lavava em uma bacia, ao lado da sarjeta que passe em frente de casa.

A falta de higiene no local é a reclamação mais constante das mães, que não conseguem impedir os filhos de entrarem em contato com o esgoto que cobre as vielas. “É muito ruim, porque as crianças brincam na vala por mais que você fale para elas não mexerem ali. O meu filho só vive doente, com problema de vermes e de intestino, porque ele cai direto no esgoto”, conta a dona de casa Susana Cristina Barreto.

Para ela, o cenário da favela lembra o da África do Sul, terra do líder Mandela. “Só que lá a gente vê a situação e se comove. Mas a mesma coisa acontece aqui. O povo brasileiro deveria olhar mais para as nossas comunidades carentes, para aqueles que ainda estão no esgoto e na lama. Porque a nossa vida aqui é difícil, não é diferente deles [sul-africanos]. Também somos um povo sacrificado.”

Edição: Andréa Quintiere