Os referenciais da agência pública

04/09/2009 - 9h56

Paulo Machado
Ouvidor Adjunto da EBC
Brasília - Quaissão os referenciais de uma agência pública de notícias? Oleitor Geraldo Brasil Silvério escreveu: “Quero transmitir meu protesto emver que a  Agência Brasil, órgão públicode interesse coletivo, pauta suas notícias e debates pela mídia comercial eseus interesses e demandas, em vez de pautar-se pelo interesse público ecoletivo.” A Agência Brasil respondeu que: “agradecemos acolaboração do leitor mas discordamos da sua opinião em relação à AgênciaBrasil”. Todavia a ABr não informou por que discorda. Jáo leitor  João Carlos foi maisespecífico em sua mensagem: “A reportagem da Agência Brasil sobre o fim damarcha dos movimentos sociais em Brasília foi um exemplo de como a mídia ésensacionalista usando como manchete "Manifestação do MST em Brasíliatermina sem conflitos".A - A Marcha não era do MST, mas sim de um conjunto amplo de movimentos sociaisbrasileiros. A Agência Brasil errou ao dizer que a marcha era do MST. A equipeque fez a reportagem não apurou quem organizava essa manifestação em Brasília?B - A manchete da reportagem parece que o normal seria que houvesse conflitos.Quem esperava isso? Os organizadores da Marcha? A Agência Brasil esperavaconflitos? Para a Agência Brasil manifestação é sinônimo de conflito? Por quê? C - A Agência Brasil reforçou a idéia dos veículos de comunicação de que asmanifestações do MST geram sempre conflito.”Dizendo-se ofendido, o leitor Walter Fernando Torres foi mais fundo: “Vejocom desgosto no Twitter e no seu site, noticia da visita do presidente daRepublica, Luiz Inácio Lula da Silva - que deve ser sempre tratado com muitorespeito - à Bolívia, onde foi recebido pelo presidente Evo Morales  - que também merece todo respeito - umtratamento profundamente DESRESPEITOSO quanto a ambos. Eu me sinto ofendidocomo brasileiro, em ter que aturar uma noticia dada dessa maneira, por umaagência de noticias que não é governamental mas é estatal - mantida com MEUSIMPOSTOS. Vejam a noticia: Lula assina em reduto eleitoral de Evo Moralesacordo para construção de rodovia. Reduto eleitoral? Como? Se o presidentedo Brasil visitar Chicago, ele foi a REDUTO ELEITORAL de Obama? Ou no Texas areduto eleitoral de Bush? Não é assim que se dá uma notícia séria, isenta. DEVOLVAM MEUS IMPOSTOS! Nego-me a sustentar esse tipo de agência denoticias!”Os grifos são do leitor. A Agência Brasil não respondeu a  mensagem mas modificou o título da matériatirando a citação ao “reduto eleitoral”, seminformar aos leitores que procedeu tal modificação. No entanto, noprimeiro e no segundo parágrafos, a notícia destaca: “A visita de Lula àBolívia acabou se transformando em festa no reduto eleitoral de Evo Morales,que está em plena campanha para a reeleição.” Aodefinir sua pauta, uma agência de notícias diz ao leitor quais assuntosconsidera importantes para sua informação. Ao definir os enfoques e aspossíveis abordagens de um assunto ela procura chamar a atenção do leitor paraos aspectos que considera relevantes nos fatos reportados. Ao editar as matériase colocar os títulos ela ressalta as informações mais importantes das notícias.Cada etapa dessas do processo de produção da informação jornalística deve estarbaseada em critérios estabelecidos a partir do referencial maior da comunicaçãopública – o interesse público.Namatéria Manifestação do MST em Brasília termina sem conflitos, publicadadia 14 de agosto, a ABr procurou chamar a atenção do leitor para o quenão aconteceu, ou seja, a ausência de conflitos, o que podemos considerar a nãonotícia.  Ao destacar no título damatéria um fato que não aconteceu a Agência Brasil revelou o queesperava que acontecesse e ao agir dessa maneira deixou claro para os leitoresqual o seu referencial “manifestação de movimento social é sinônimo deconflito.” Pelo menos foi essa a interpretação do leitor.Porque a Agência Brasil destacou que a manifestação “sem conflito” era doMST e não de movimentos da sociedade civil organizada conforme cita no texto dareportagem? Por que associar conflito e MST? Essa associação estava presentenos fatos ou no tipo de referencial que a ABr adota em relação àsmanifestações populares?Qualo referencial que a Agência Brasil adotou ao destacar o lugar onde opresidente Lula assinou o acordo com a Bolívia, e não o acordo em si, no títuloda matéria Lula assina em reduto eleitoral de Evo Morales acordo paraconstrução de rodovia? Por que o fato político do presidente EvoMorales estar em campanha eleitoral deve prevalecer sobre o fato diplomático decooperação internacional entre o Brasil e a Bolívia? Qual dos dois fatosinteressa mais ao público brasileiro? Quais os interesses nacionais que estãojogo? Ofato do presidente Evo Morales encontrar-se em campanha para reeleição é umainformação importante para o leitor saber em que contexto político foi assinadoo acordo e mereceria ou uma matéria específica tratando do tema, ou umparágrafo dentro da matéria sobre o acordo, mas não como o lead danotícia. Ao colocar os dois assuntos: acordo bilateral e campanha política, emuma única matéria , dando destaque a esta última, a ABr não teria inferido aexistência de um vinculo político local para o encontro entre os doispresidentes?  A reportagem apurou aexistência desse vínculo e a confirmou ou simplesmente deduziu por contaprópria?Aodestacar que o presidente Lula esteve no reduto eleitoral do colega a ABrnão dá a entender ao leitor que o objetivo da viagem do presidente foiparticipar da  campanha política no paísvizinho? Qual o referencial que  a agênciaadota em relação à política latino-americana para noticiar o fato dessamaneira? A construção de uma rodovia que proporcione uma saída do Brasil para oPacífico não é um fato relevante o suficiente? Em que medida esse acordo podealterar a situação geopolítica da região?Aconstrução de referenciais baseados em princípios e objetivos da comunicaçãopública poderia evitar que certos assuntos fossem tratados da maneira comoforam. Esses referenciais geralmente fazem parte de planos editoriais e manuaisde redação que podem ajudar a prevenir certos problemas que eventualmentevenham a comprometer a credibilidade do veículo de comunicação e de seusprofissionais. Na ausência desses instrumentos editoriais as redações podem senortear por referenciais alheios à comunicação pública cedendo à hegemonia daagenda de grupos dominantes e de sua visão preconceituosa sobre determinadosassuntos – pelo menos é esse o entendimento de alguns leitores. Naspróximas três semanas o ouvidor estará de férias. Voltaremos com nossas colunassemanais a partir do dia 2 de outubro.  Atélá.