Restos a pagar revelam falta de planejamento dos gastos públicos, diz especialista

09/08/2009 - 10h11

Wellton Máximo
Repórter da Agência Brasil
Brasília - A poucas semanas da virada do ano, o governo federal desbloqueia a verba para a construção de um posto de saúde que estava retida desde o início do ano. A prefeitura comemora a autorização para pegar o dinheiro do convênio com a União, mas os recursos não podem ser liberados porque o município não fez o projeto nem tem tempo suficiente para concluir as licitações necessárias. Sem saída, o município adia o início das obras para o ano seguinte.Histórias como essa revelam os principais fatores que impulsionam o uso dos restos a pagar - verba não gasta em anos anteriores - para sustentar os investimentos públicos: o mau planejamento dos gastos do governo e a falta de agilidade do Estado. A avaliação é de Eliana Graça, assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e integrante do Fórum Brasil de Orçamento.Segundo Eliana, os restos a pagar, que representam 74,5% de tudo o que foi investido de janeiro a junho, são um efeito colateral da política econômica dos últimos dez anos que privilegia o superavit primário (economia de recursos para pagar os juros da dívida pública). Para garantir o esforço fiscal, o governo faz o contingenciamento (bloqueio) das verbas no começo do ano e só libera o dinheiro no fim do segundo semestre.“Depois que desbloqueia as verbas, os ministérios correm contra o tempo para empenhar [autorizar] os recursos no fim do ano, mas o empenho não é garantia da liberação do dinheiro”, explica Eliana. “No final das contas, o orçamento passa a ser executado às pressas, o que indica, acima de tudo, a falta de capacidade do Poder Público de planejar os gastos.”A necessidade de empurrar os gastos para o ano seguinte para assegurar o superavit primário, ressalta a especialista, produz um efeito negativo para a transparência das contas públicas. “No médio prazo, passamos a ter dois orçamentos com um recurso só. Na prática, temos uma contabilidade pública oficial e outra contabilidade paralela”, critica.Segundo ela, a alta de 21,8% nos investimentos federais no primeiro semestre também merece atenção. “É importante lembrar que a maior parte desses investimentos não é de novos projetos, mas simplesmente a execução de obras previstas nos anos anteriores”, destaca.A burocracia, afirma Eliana, também impulsiona a formação dos restos a pagar. “Com tantos requisitos legais e ambientais a serem cumpridos, a máquina burocrática não dá conta de analisar os processos a tempo”, diz.Para melhorar a gestão dos recursos públicos, a especialista sugere um orçamento bianual para obras mais longas, com verbas definidas para dois anos. Dessa forma, segundo ela, o governo ganha tempo para planejar os gastos.“Se houver bom planejamento, a necessidade de o governo contingenciar verbas para garantir superavit primário fica bem menor e os processos não precisam ser interrompidos porque o ano fiscal acabou”, declara. A especialista também ressalta a necessidade de capacitar a máquina burocrática, em vez de apenas pressionar o Estado por respostas mais rápidas.“A pressão para que a burocracia seja ágil muitas vezes cria atrasos lá na frente, quando, por exemplo, uma obra é embargada por não cumprir exigências ambientais. Os requisitos, legais ou ambientais, precisam ser respeitados”, destaca. “O ideal é melhorar a gestão e capacitar os servidores para dar conta de tanto trabalho.”