Guaranis tiram carteira de identidade para ter direitos civis iguais aos dos brancos

04/08/2009 - 19h28

Luiz Augusto Gollo
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro - Os últimos 12 índiosdos 57 guaranis da aldeia provisória na praia de Camboinhas, emNiterói, que ainda não tinham carteira de identidade deram entrada,na tarde de hoje (4), ao pedido de obtenção do documento no postode identificação civil do Departamento de Trânsito (Detran) dacidade. Em poucos dias, eles terão o documento básico de todocidadão brasileiro, inclusive de muitos menores de 18 anos.“O único documentoque eles têm é a carteira da Funai [Fundação Nacional doÍndio], que reconhece a etnia e a condição de tutelado doEstado”, diz Tonico Benites, mestre e doutorando em antropologiasocial pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, filho da pajéLídia e irmão do cacique da aldeia. Ele lembra que muitas vezes osíndios sofrem constrangimentos desnecessários porque a carteira daFunai não é reconhecida como documento hábil para viajar de aviãoou tirar habilitação para dirigir.O cacique Darci Tupãconta que a iniciativa de tirar a identidade civil dos últimos 12guaranis em Camboinhas foi dos próprios índios e da DefensoriaPública do Estado do Rio de Janeiro, por intermédio de seu Núcleode Defesa dos Direitos Humanos.“Eles ainda resistiamporque são muito ligados às tradições do nosso povo. Nós falamosmuito e eles acabaram entendendo que é importante ter documento deidentidade como qualquer pessoa”, conta o cacique, portador decarteira de identidade há anos, como a maioria dos guaranis tanto emCamboinhas quanto na aldeia em Parati, de onde os 57 saíram háquase dois anos justamente para preservar a cultura e os costumes.A pajé Lídia é aresponsável pela migração do grupo para Niterói. Entre osguaranis, cabe aos líderes espirituais escolher o lugar onde devemhabitar. E ela optou por Camboinhas por ser local de um grandesambaqui, ou cemitério indígena, ancestral na região.Ao falar de Parati, elanão esconde o desapontamento com a assimilação da cultura brancapelos índios, que já preferem casas de alvenaria e compras nosupermercado às ocas e à horta e pomar próprios.Lídia e seu grupodepositam suas expectativas na ação da prefeitura de Maricá,cidade vizinha a Niterói, cujo prefeito, Washington Quaquá, estádecidido a transferi-los para uma Área de Proteção Ambiental (APA)pertencente à União, na Barra da Maricá, onde a pajé escolheu umsítio entre as praias de Itaipuaçu e São José.“Terra boa praplantar, não é areia, como aqui”, diz Lídia, confiante de que embreve voltará à cultura de milho, mandioca, feijão e outrosprodutos ancestrais da agricultura guarani. E com todos os seussemelhantes inseridos na cidadania dos brancos por meio da carteirade identidade.“Tenho a minha hámuito tempo, porque não dá para ser estudante sem ela”, afirmaTonico Benites. “Acho só que podiam incluir em vermelho, numcantinho, a etnia e o nome indígena do portador”, sugere ele -cujo nome guarani é Wera Poty -, argumentando que distinçãosemelhante já existe na identidade dos sexagenários em geral.