Crise econômica não deve afetar campanha eleitoral de 2010, diz Delfim Netto

16/06/2009 - 22h00

Elaine Patricia Cruz e Florestan Fernandes Jr.
Repórteres da Agência Brasil e da TV Brasil
São Paulo - Para o economista e ex-ministro da Fazenda Delfim Netto, a economia brasileira já está dando sinais de recuperação e deve apresentar um crescimento de até 4% do Produto Interno Bruto (a soma de bens e serviços produzidos no país) no próximo ano. Em entrevista hoje (16) à Agência Brasil e ao telejornal Repórter Brasil, apresentado pela TV Brasil, Delfim disse acreditar que o Brasil já pagou o seu preço e que, nas próximas eleições presidenciais, os candidatos não precisarão estar tão preocupados com a crise econômica. “Na minha opinião, a eleição vai ser tranquila no ponto de vista social. Porque eu sempre brinco que o Brasil tem muito vendedor de óleo de cobra, aquele sujeito de filmes de faroeste que andava de carroça e vendia um óleo para curar desde [problemas com] unha encravada até câncer no cérebro. Os vendedores de óleo de cobra não vão ter nenhum sucesso”, disse o economista.Agência Brasil: O pior da crise já passou? O governo brasileiro tem afirmado isso em diversas oportunidades, mas o diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, disse ontem que a crise mundial ainda não acabou. Delfim Netto: O FMI e o Strauss não se leva a sério hoje. O que ele diz não se leva a sério. Sobre o governo, deve-se ter dúvidas. Mas o FMI tenho certeza: não é para levar a sério.ABr: Então, para o senhor, o pior da crise já ocorreu?Delfim: São duas coisas diferentes.No Brasil, realmente, o momento mais crítico foi no quarto trimestre de 2008. Ainda teve uma repercussão no primeiro trimestre desse ano, mas já começou a recuperação. No segundo trimestre, é possível ter um crescimento com relação ao primeiros meses do ano. Mas se compararmos o segundo trimestre desse ano com o mesmo período do ano passado, deve ter crescimento ainda menor. Isso porque no terceiro trimestre de 2008 estávamos crescendo a 6,8%. Por uma tragédia aritmética, o Brasil vai revelar decréscimo de crescimento durante três trimestres até que volte a aparecer o crescimento. Você terá o retrato do sujeito com um atraso, quando ele já estará superando algumas dificuldades. Vamos vê-lo ainda com uma cara de muito sofredor. Mas acho que já passamos, provavelmente, pelo mínimo. Já pagamos o preço.ABr: Qual será então o cenário para o próximo ano?Delfim: O cenário é que vamos estar rodando, na eleição, entre 3,8% e 4%. Significa que o Brasil vai se libertar. Se você fizesse a eleição num processo recessivo, os vendedores de óleo de cobra, que são o remédio que trata desde unha encravada até câncer, iriam abundar no Brasil e fazer um estrago danado. Crescendo como acho que vai estar crescendo, só vão sobrar realmente os candidatos viáveis e razoáveis.ABr: A crise então não vai ser um problema para os candidatos?Delfim: Não. A crise vai permitir que cada um apresente o seu projeto. A eleição vai ser tranquila até do ponto de vista social. Sempre brinco que o Brasil tem muito vendedor de óleo de cobra, aquele sujeito de filmes de faroeste que andava de carroça e vendia um óleo para curar desde unha encravada até câncer no cérebro. Os vendedores de óleo de cobra não vão ter nenhum sucesso. E no meio de uma recessão, eles seriam até ouvidos, estariam vendendo o seu produto. Acho que o Brasil tem três candidatos visíveis. Os três vão continuar com processo de crescimento adequado. O Brasil tem uma outra vantagem que são as reservas de petróleo do pré-sal. As pessoas não têm levado isso a sério. O pré-sal é uma mudança completa. O que abortava o crescimento do Brasil e o que sempre abortou era ou crise de energia ou crise nas contas externas. O pré-sal resolve os dois ao mesmo tempo. Está a 300 quilômetros da praia, a 6 mil metros de profundidade, mas sabemos como ir até lá. O  Brasil tem uma Autobahn alemã (uma autoestrada). Não é uma estradinha, mas uma estrada de concreto, com 25 anos à frente e tranquilidade para crescer.ABr: O senhor tem afirmado que o Brasil vai sair da crise em um ano e que a economia deve retomar o crescimento anterior a este período (de crise). Em que o senhor se baseia ao afirmar isso?Delfim: Na crença no Brasil. Uma das vantagens de ser velho é que se aprende forçado. O Brasil realmente é um país que tem uma certa habilidade para enfrentar crises. Importamos a crise dia 16 de setembro de 2008. O Brasil é um país com um sistema financeiro rígido, com mercado externo relativamente fechado. O Brasil não precisava ter importado essa crise. E importou a crise primeiro porque os banqueiros brasileiros foram solidários. Seria muito deselegante para o banqueiro brasileiro não cortar o crédito quando ele vê no mundo inteiro os outros cortando o crédito. Eles seriam postos fora do clube. Em segundo lugar, o Banco Central não deu o que tinha de musculatura para dar, não deu o conforto que podia ter dado naquele instante. O BC sempre agiu na direção correta, mas infelizmente sempre muito atrasado e em doses homeopáticas. Na verdade, o BC faz em junho de 2009, o que podia ter feito em setembro de 2008, que é baixar os juros. Do ponto de vista fiscal, o governo agiu com rapidez no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Poderíamos ter dado um pouco mais de ênfase no investimento e ter convencido a sociedade de que era o momento de postergar algumas despesas públicas.