Sem discussão, o cidadão não concorda em pagar a conta

05/06/2009 - 9h09

Paulo Machado
Ouvidor Adjunto da EBC
Brasília - Anotícia de que Leilõesde rodovias federais ocorrerão ainda no primeiro semestre, publicadaem 21 de janeiro, pegou o leitor EdersonSilva de surpresa. Ele escreveu: “Issoé um absurdo, quantas pessoas que moram as margens da BR-040 quefazem o trajeto GO-DF estarão prejudicadas com essa concessão? Jáexiste preconceito com os trabalhadores do entorno do DF devido aocusto das passagens, imagina se ocorrer essa 'venda' da rodovia. Essetipo de atendimento deve obrigatoriamente ser feito pelo governo, jáque somos obrigados a pagar tantas taxas, pagamos um valor caríssimona gasolina (R$2,66) e passagens que variam de (R$2,80 a R$5,00) paratrabalhar, mesmo com o petróleo em baixa (um pouco mais de US$ 60).Como vão ficar os trabalhadores que ralam para ganhar um dinheirinhoe manter a família, que têm que pegar ônibus com passagens quetodo ano aumenta, ou, têm carro e pagam IPVA, além da gasolinacaríssima? O governo só olha o lado dele - e o nosso? ondeficam os nossos direitos? Temos que pagar sempre mais? Não concordo!”Amatéria da AgênciaBrasilinformava que “ Atéo fim do primeiro semestre deste ano o governo quer conceder novostrechos de rodovias federais para a iniciativa privada”.Entre os “novostrechos”consta a BR-040 que Ederson utiliza todos os dias para ir e voltar dotrabalho. Areportagem não lembrou de ouvir pessoas como o leitor, que pelos“trechos”circulam, “trabalhadoresque ralam para ganhar um dinheirinho e manter a família, que têmque pegar ônibus com passagens que todo ano aumenta, ou, têm carroe pagam IPVA, além da gasolina caríssima”.Impossibilitadosde participar do debate se ele não se tornar público, ostrabalhadores poderiam encontrar nas páginas eletrônicas da ABrinformações sobre o processo de privatização das rodovias pararediscuti-lo à luz do momento histórico que vivemos e da criseque atravessamos.

Umadas questões que poderiam ser discutidas, por exemplo, seria autilização da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico - Cide, imposto pago por todos os cidadãos que compram combustíveise que, teoricamente, deveria servir para manter/recuperar estradas,sem que precisassem pagar mais um pedágio para utilizá-las. Essatalvez seja uma dastantastaxas” aque o leitor se refere e que sabemos estar embutidas no preço dagasolina e das passagens de ônibus.Ogoverno só olha o lado dele”, disse o leitor. Pareceque a reportagem também só olhou o lado do governo quando poderiater aproveitado o “gancho” da “vendada rodovia” paralembrar o processo histórico em que o Estado brasileiro vendeu amaior parte do patrimônio público para a iniciativa privada.

Sobreesse processo, escreveu o jornalista Aloysio Biondi (*) :”Nãofoi feito para 'beneficiar o consumidor', a população, e simlevando em conta os interesses – e a busca de grandes lucros –dos grupos que 'compraram' as estatais, sejam eles brasileiros ou multinacionais.Mas há mentiras ainda maiores a serem descobertas pelos brasileiros,destruindo os argumentos que o governo e os meios de comunicaçãoutilizaram para privatizar as estatais a toque de caixa, a preçosincrivelmente baixos. A venda das estatais, segundo o governo,serviria para atrair dólares, reduzindo a dívida do Brasil com oresto do mundo – e 'salvando' o real. E o dinheiro arrecadado com avenda serviria ainda, segundo o governo, para reduzir também adívida interna, isto é, aqui dentro do país, do governo federal edos estados. Aconteceu o contrário: as vendas foram um 'negócio daChina' e o governo 'engoliu' dívidas de todos os tipos das estataisvendidas; istoé, a privatização acabou por aumentar a dívida interna. Ao mesmotempo, as empresas multinacionais ou brasileiras que 'compraram' asestatais não usaram capital próprio, dinheiro delas mesmas, mas, emvez disso, tomaram empréstimos lá fora para fechar os negócios.Assim, aumentaram a dívida externa do Brasil. É o que se podedemonstrar, na ponta do lápis, neste 'balanço' das privatizaçõesbrasileiras, aceleradas a partir do governo Fernando HenriqueCardoso.”

Adívida interna a que o jornalista Aloysio Biondi se referiu, aindana década de 90, continuou crescendo. Sua discussão poderia ser umadas abordagens nas matérias da ABrsobre o assunto. “Ondeestão nossos direitos?”,perguntou o leitor, que provavelmente gostaria de vê-los discutidosna notícia se a pauta tivesse abordado o assunto do ponto de vistado interesse público do cidadão.

Outroque não quer continuar pagando a conta das privatizações é Cândido Neto da Cunha que leu a matéria RioTapajós tem potencial para construção de até sete usinashidrelétricas, diz Aneel,publicada no ultimo dia 25.

Segundoele: “Hidrelétricasno rio Tapajós: começaram as mentiras. Ontem mesmo ouvi e li algunsmeios de comunicação aqui do Pará repetir a matéria feita pelaAgênciaBrasil de que serão construídas sete 'pequenas hidrelétricas' na Baciado rio Tapajós. A notícia foi obviamente produzida por setoresinteressados nas UHs e está completamente distorcida. Ashidrelétricas do rio Jamanxim não podem ser classificadas comopequenas pelo potencial de produção de energia...a “menorzinha” tem capacidade para gerar 227 MW de potência, bem longe do limite de 30 MW parapequenas centrais hidrelétricas. Pela classificação a partir dapotência, grandes centrais hidrelétricas são aquelas com mais de100 MW onde se encaixam todas as UHs do inventário. Para se teruma idéia do que isso significa, a Usina Hidrelétrica de Tucuruí,uma das maiores do país, tem capacidade de potência de 8.370 MW.São Luiz do Tapajós deverá ter potencial de 6.133 MW, será umadas maiores do país. Nada tem de pequena. A outra mentira é que coma produção de energia haverá redução nas tarifas. Por que nãofalam logo que estas obras é para as mineradoras (Alcoa, Vale, RioTinto) e siderúgicas (Alcan Alumar, Albrás). Esses grupos pagam nomáximo, R$ 0,06 por cada kw/h consumido enquanto os mortais aquipagamos 12 vezes mais do que isso. Quase a metade de toda a energiaproduzida é utilizada pela indústria e cerca de 550 grandesconsumidores gastam praticamente 20% da energia elétrica no Brasil,estando entre elas as produtoras de ferro-gusa, de alumínio e decelulose. Empresas como a Vale consomem aproximadamente 4,5% daenergia do país, 15,8 milhões de MWh de energia. Mas, além dogrande consumo há uma questão do preço pago por essa energia. Deacordo com o engenheiro José Paulo Vieira, a população chegou apagar R$ 15 bilhões a mais por ano em energia. É a populaçãosubsidiando as grandes empresas, pobres sustentando a energia degrandes multinacionais que são as maiores beneficiadas por essesgrandes projetos hidrelétricos. Aliás, porque não se aproveita opotencial das usinas hidrelétricas já construídas? Para se teridéia, a UH de Tucuruí, no Rio Tocantins, opera até o momento comum terço de sua capacidade. Somente agora, estão fazendo a segundaparte de suas eclusas e só Deus sabe quando se terminará. Aliás, oartigo do jornalista Lúcio Flávio Pinto é bem esclarecedor sobre aquantas anda essa obra; Língua ferina: tem areia nas eclusas deTucuruí. Mas, certamente esse tipo de obra é muito interessantepara as Camargos Correias da vida e aos políticos que adoram obrassuperfaturadas ou com 'sobrepreço' como agora falam por aqui noPará.”

AOuvidoria pesquisou e confirmou muitos dos números apresentados peloleitor, consumidor de energia elétrica, que além de não ver adiscussão sobre seus direitos nas matérias da ABrsobre o assunto, aponta erros de apuração. A classificação de Pequenas Usinas Hidrelétricas é estabelecida pela própriaAneel em resolução (**) enviada pelo leitor e não considerada pelaAgênciaemsua resposta: voltaremosao assunto e ouviremos todas as partes envolvidas”.Seria interessante também ouvir o leitor pois a referida resoluçãodiz que centrais hidrelétricas com mais de 30 MW não podem serclassificadas como pequenas, muito menos se tiverem 6.133 Megawatts,ou seja, 200 vezes mais. Aindaa partir das sugestões do leitor, uma das questões a serdiscutida, por exemplo, é a diferença de preço pago pelos pequenose os grandes consumidores, outra é por que não se melhora a utilização do potencial instalado? Os EstadosUnidos da América, por exemplo, conseguiram aumentar sua produção deenergia elétrica em mais de 40% durante a década de 1960 somentecom a modernização das usinas e das linhas de transmissão.

Até a próxima semana.

Emtempo. Recebemos um release do Ministério Público Federal do Rio deJaneiro informando que osmoradores de Casimiro de Abreu-RJ ficam isentos do pedágiorecém-instalado no km 192,8 da BR-101 por decisãojudicial. Segundo o MPF, a cobrança de pedágio, iniciada no últimodia 25, impõe sérias e profundas restrições à locomoção dosmoradores, prejudicando direitos coletivos como educação, saúde,cultura, lazer e livre exercício da profissão. Na ação civilpública e na liminar, é citada a jurisprudência do SuperiorTribunal de Justiça (STJ) que contempla a necessidade de previsãolegal para exigência de via alternativa em casos como o que afeta osmoradores de Casimiro de Abreu.

(*)AloysioBiondi em OBrasil Privatizado quepode ser acessado em:http://www.aloysiobiondi.com.br/IMG/pdf/02brasilprivatizado1.pdf(**) ResoluçãoAneel n. 394, de 4 de dezembro de 1998 (Diário Oficial, de 7 dez.1998, seção 1, p. 45)) : Art. 2° Os empreendimentos hidrelétricoscom potência superior a 1.000 kW e igual ou inferior a 30.000 kW,com área total de reservatório igual ou inferior a 3,0 km² , serãoconsiderados como aproveitamentos com características de pequenascentrais hidrelétricas. Parágrafo único. A área do reservatórioé delimitada pela cota d’água associada à vazão de cheia comtempo de recorrência de 100 anos.