Manter o apartheid entre aspas

17/04/2009 - 8h24

Paulo Machado
Ouvidor Adjunto da EBC
Brasília - “Como o comentário éuma opinião do leitor em relação a outra opinião, do entrevistado, acho quedevemos apenas agradecer a manifestação do cidadão. A expressão citada por eleestá devidamente caracterizada como uma fala do entrevistado, que está entreaspas no texto.” Esta foi a resposta da Agência Brasil ao leitor Paulo Rogério Roveré da Silva. Oprocedimento, de não modificar o que a fonte falou é, técnica e eticamente,adequado.Paulo Rogério escreveu para a Ouvidoria: “Nessa matéria o sr. Carlos Roberto deOliveira, que é coordenador da União por Moradia no DF, fala em acabar com esseapartheid que se verifica aqui no DF. Não gosto quando rotulam Brasília comesse rótulo de apartheid, sou gaúcho de nascimento e brasiliense de CORAÇÃO, com muitoorgulho por sinal. Adoro esta terra e fico triste com declarações como esta. NoRS, RJ e em SP vivemos apartheids piores que no DF e ninguém comentadessa forma, falam apenas que é um processo de exclusão social, motivado pelasaglomerações urbanas nas grandes metrópoles. Não sei por que ficam rotulandoBrasília com adjetivos agressivos e intolerantes, cidade apartada, de corruptose assim por diante. Vamos respeitar nossa capital, que temqualidades e defeitos como toda e qualquer cidade do mundo. Viva Brasília,terra de oportunidades e respeito à diversidade cultural.”. O leitor se referiu à fala do coordenador citada na matéria DF deverá ter 16 mil casas financiadas peloprograma habitacional do governo, quediz: “Temos que parar de criar cidades deexclusão e acabar com esse apartheidque se verifica aqui no DF”.Não encontrado nenhum problema de procedimento, enviada aexplicação ao leitor, respondida adequadamente a sua demanda, poderíamos encerrar aqui nossa Coluna desta semana.Caso solucionado – encerre-se o processo! Será?Qual então seria o objetivo de   ouvir uma determinada fonte se sua opinião serviria apenas para“ilustrar” uma notícia? Para o jornalismo, que não se limita a publicardeclarações, sejam elas do presidente da República ou do Carlos Roberto, osentrevistados são antes de tudo fontes de informação que refletem a visão de umgrupo ou de segmento da sociedade sobre uma realidade objetiva que querem verdebatida no espaço público de comunicação. De qual realidade o coordenador domovimento social está falando quando cita o termo que indignou nosso leitor?Palavras entre aspas podem ser lidas apenas como “mais uma opinião” (entreaspas), seja ela do entrevistado, do leitor, de um especialista ou de uma determinadaautoridade, mas será sempre apenas mais uma opinião, uma declaração que apenasilustra a notícia, se as apartamos de seu conteúdo.Se o jornalista realmente escutar o que a fonte está falandoe não apenas ouvi-lo para citá-lo “entre aspas”, ele procurará tirar o máximode informações sobre o assunto, pois seus olhos e seus ouvidos não são tão seusnaquele momento. O jornalismo como meio (mídia) deve servir para levar a visãodo entrevistado sobre o assunto ao leitor e permitir que este construa significadosconforme sua compreensão pessoal. Assim,quanto mais informações, mas nítida se torna a imagem, mais delineados setornam seus contornos e, portanto, mais próximos da realidade objetiva que sepretende reportar e discutir. Há duas semanas falamos sobre o conteúdo da cobertura da ABr sobre o plano habitacional dogoverno na Coluna Planejamento, pesquisa e apuração fazemfalta. Naquela oportunidade lembramos que: “A cobertura jornalística de um programa habitacional como o que ogoverno lançou na semana passada requer planejamento para que não se divulgueapenas o que as autoridades dirão, mas, sim, o que o público quer e precisasaber.” No ultimo parágrafo citamos um exemplo de debate, sobre qual realidade objetiva,  poderia ser trazido para que os leitoresaprofundassem a discussão: “Construir moradias é produzir cidades. Éessencial discutir os impactos dos empreendimentos imobiliários nas condiçõesde vida, na instituição ou destituição de direitos sociais, no ordenamentoterritorial e no funcionamento das cidades. No Brasil, as cidades são marcadaspor profundas expressões de desigualdades e exclusões socioterritoriais, e oprincipal sentido dos processos de produção de moradias é engendrar cidades eurbanidades para garantir o bem-estar e o  desenvolvimento das pessoas.Estamos diante de uma bela oportunidade. Não vamos cair nas armadilhassedutoras dos números: 1 milhão de moradias? Sim, mas onde, como e para quem?”.Era um trecho do artigo publicado no jornal Le Monde Diplomatique defevereiro pelos arquitetos e urbanistas Raquel Rolnik e Kazuo Nakano. Comoutras palavras, do que falavam os especialistas senão do apartheid?  Sobre nossa Coluna a AgênciaBrasil considerou que: 1) Não é verdade que faltou aprofundamentoda Agência Brasil na cobertura doprograma habitacional. O programa foi apresentado pelas autoridades diretamenteenvolvidas, foi ouvida gente da área de construção civil, parlamentaresopositores e governistas, comentado por uma professora da UFRJ, e foramentrevistados participantes de cooperativas habitacionais. Uma matéria emespecial forneceu todos os detalhes para que um interessado possa inscrever-seno programa. O que foi apresentado nas matérias pareceu-me suficiente parainformar o leitor. É claro que, dependendo dos pontos de vista, pode-se sentirfalta de uma informação mais detalhada, mas não há nada que desmereça acobertura feita; 2) Só hoje tivemosconhecimento destas cinco  demandas dos  leitores [pedindo maisinformações sobre o plano]. Destes, quatro solicitam informação sobreprocedimentos operacionais de financiamento da Caixa Econômica Federal. Creio que pelo desconhecimento desta Ouvidoria foi jogada responsabilidadena Agência Brasil de dar informações aos leitores sobre tais financiamentos -que alguns deles mesmo dizem em e-mail - não obtiveram na Caixa EconômicaFederal. Estes leitores, e inclusive nossa equipe de reportagem, nãoconseguiram as informações, uma vez que não foram divulgadas pelas autoridades.Só deve ocorrer no dia 13 de abril, quando a CEF irá explicitar todas as normase procedimentos operacionais do programa.  Assim, considero injusta acrítica do ouvidor de que faltou empenho da Agência em fazer "matérias que explorem aspectos práticosquanto à execução do programa";3) Discordamos das considerações de que faltou planejamento, pesquisa eapuração na cobertura do programa habitacional. É uma afirmação com juízo devalor desta Ouvidoria, sem que a AgênciaBrasil tivesse sido consultada.”Já o leitor Paulo Timm, ex-coordenador de DesenvolvimentoRegional do Ipea, enviou o seguintecomentário para esta Ouvidoria a respeito de nossa Coluna: “O pior é que não houve nenhum balanço dasexperiências de construção de casas no passado. Não se fala em BNH, não se falado Pro-morar , até pareceque nunca houve programa habitacional no país. Aliás, o Figueiredo construiu noseu governo mais de 1,5 milhão de casas... De resto, há a Política Urbana,Metropolitana e Regional. Qual a ligação desta política habitacional com estaspolíticas públicas, ou , simplesmente, ao que parece, elas não existiram? Nãohá também nenhum projeto de ocupação do território nacional acoplado a essapolítica? Já os portugueses faziam isso com claras preocupações geopolíticas.O Império teve figuras extraordinárias como COUTO DE MAGALHÃES, queteve um papel singular como presidente de Goiás e MT . Vargaslançou a MARCHA PARA O OESTE e a Fundação Brasil Central, JK fez Brasília,a Belém-Brasília e falou explicitamente em ocupação do interior. Os governosmilitares, bem ou mal ‘inventaram’ a SUDAM, A TRANSAMAZÔNICA econsolidaram a ocupação do Centro-Oeste com o aproveitamento doCerrado. Geisel criou as regiões metropolitanas. Mas Sarney, Collor e FHCe Lula não disseram ainda a que vieram nesse campo , tão caro aos velhos geógrafosdo IBGE, aos intelectuais militares como Euclides da Cunha, Rondon e outros,além de comunistas eméritos como Prestes, na sua Coluna [dele, Luís CarlosPrestes].”O assunto continuou na pauta da ABr nas ultimas duas semanas antecedendo o anúncio de detalhes doplano, feito ontem (13) pelas autoridades, conforme haviam prometido. Apesar dea cobertura fornecer informações mais detalhadas sobre a operacionalização doacesso à moradia, ela continuou apartada do processo histórico, do contexto daocupação territorial do país e de nossas cidades, dos fluxos migratórios, dadiscussão da qualidade da moradia que superlotam as favelas, da instituição oudestituição de direitos sociais, da infra-estrutura existente e da necessáriapara que se construam 1 milhão de moradias e da resposta às perguntas onde,como e para quem? Até a próxima semana.