Catadores reclamam que trabalham mais e recebem menos

23/03/2009 - 8h24

Gilberto Costa
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Acrise econômica mundial, que afetou a maioria dos setoresprodutivos, atingiu também a reciclagem de resíduos sólidosno país. O preço do plástico das garrafas PET,das latinhas de cerveja e refrigerante encontradas no chão oudo papelão que servirá para novas embalagens caiujunto com o valor fixado no mercado internacional para as commodities como derivados de petróleo, alumínio e celulose.“Nós vemos umaredução da demanda desse material todo por causa daredução de consumo”, explica Izabel Zaneti,professora do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS) daUniversidade de Brasília (UnB). “O petróleo caiude US$ 160 para US$ 40 o barril, é lógico que issoreduziu o preço do plástico que é extraídodo petróleo”, acrescenta.A redução da demanda e do preço do resíduo sólido é sentida especialmente no elo mais fraco da cadeia produtiva dareciclagem. Catadores de materiais reclamam no paísinteiro da queda dos ganhos, do aumento de serviço e da prorrogaçãoda jornada de trabalho. “Eles não estão excluídos,eles estão mal incluídos nessa cadeia produtiva esempre vão ter a parte pior da exploração”,alerta Zaneti.Sandra Regina Caselta,tesoureira da Cooperativa de Coleta Seletiva da Capela do Socorro, deInterlagos em São Paulo, confirma o diagnóstico da professora, mas acrescenta que háespeculação de preço e exploraçãono mercado. “Os compradores [de resíduos sólidos]sabem que as cooperativas precisam vender o material para ter capitalde giro para as despesas mensais”, lembra.“O que estáacontecendo é uma exploração dos intermediáriosque compram volumes menores de pequenas cooperativas ou de catadoresindependentes, para ainda pagar mais barato, explorando em nome deuma crise”, acusa Sônia Maria da Silva, diretora-presidenteda cooperativa 100 Dimensão, que funciona há dezanos no Riacho Fundo, uma das regiõesadministrativas do Distrito Federal. “Na verdade, acrise nem chegou como deveria chegar aqui. Está havendo umarede de exploração ao menor, ao miserável”,lamenta.João Alexandredo Carmo, catador há 14 anos no Lixão da Estrutural, queabriga a maior parte dos resíduos produzidos na capitalfederal e nas cidades satélites do DF, também reclamados atravessadores. “O comprador faz lá um contrato e chegaaqui com outra conversa”, resume.O pequeno atravessadorEd Paulo Leonaldo Gomes, ex-catador e que hoje comercializa omaterial reciclável da Estrutural em Brasília, exportando os resíduos beneficiados para outros estados,confirma que a remuneração de quem compra dos catadorese trata o material para revender é bem melhor, mas diz quetambém sentiu os efeitos da crise. Segundo ele, sua renda(que já chegou a ser de R$ 6 mil) caiu para menos da metade, eele teve de demitir quatro empregados em um grupo de 18 pessoas. EdPaulo diz que a crise não afetou sua produção de90 toneladas de material reciclável por mês, mas o valorque recebia. A pesquisadora ValériaGentil, da UnB, explica que em Brasília há umafunilamento da comercialização de resíduossólidos. No ápice da pirâmide, há umaúnica grande empresa intermediária que exporta a maiorquantidade. No meio, estãoos atravessadores com capacidade diferente de beneficiamento eestocagem de material. Segundo verificouem sua dissertação de mestrado defendida no anopassado, o intermediário e os atravessadores que estãono alto da pirâmide cartelizam o setor e estabelecem preçospara toda a cadeia produtiva, fixando em valores baixos o preçopago aos catadores que estão na base da pirâmide. Seja por causa da quedados preços no mercado internacional, formação decartel ou exploração direta de atravessadores, o fato éque os catadores de resíduos sólidos afirmam que estãotrabalhando muito mais e recebendo bem menos. A catadora LúciaFernandes do Nascimento, há oito anos no mesmo lixão,afirma que para receber o mesmo que ganhava antes de outubro do anopassado (cerca de R$ 50 ao dia) chega a estender sua jornada detrabalho das 6h até as 20h.“A gente cata porque tem que sobreviver”, afirma.Joel Carneiro da Silva,marido de Lúcia Fernandes e catador há 18 anos,confirma que “essa é a pior crise que passou” e calculaque na cooperativa à qual pertence (Cooperativa de MaterialReciclável da Cidade Estrutural) o ganho dos sócioscaiu 60%. Auxiliadora Souza, desde 1991 no Lixão da Estrutural,reclama que recebe R$ 120 por oito enormes fardos de plásticos(chamados de bags pelos catadores),quando já chegou a receber R$ 300 em melhores dias.