Jurista acredita em manobra para levar processo contra Dantas ao STF

18/07/2008 - 20h19

Luciana Lima
Repórter da Agência Brasil
Brasília - O acesso do senadorHeráclito Fortes (DEM-PI) ao inquérito da OperaçãoSatiagraha, da Polícia Federal, na opinião do juristaDalmo Dallari, pode representar mais uma tentativa de levar oprocesso para o Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, o juristaalerta que o fato de o senador ser citado não faz com que oprocesso seja encaminhado para a Corte Suprema. “Eu acredito que sejauma manobra, uma tentativa de tirar a competência do juiz deprimeira instância. Ainda mais depois deles [os acusados]saberem que contam com a proteção do presidente doSupremo, o ministro Gilmar Mendes. Levar o processo para o STF, então,vai ser um presente. É manobra, mas não tem nenhumabase legal porque a competência continua sendo do juiz deprimeira instância, mesmo que o senador seja ouvido no processo.Trata-se de uma manobra que não tem fundamento legal e,portanto, pouca possibilidade de êxito”, disse Dallari hoje (18), em entrevista à Agência Brasil.Ontem, o presidente doSupremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, estendeu aosenador liminar concedida anteriormente à defesa do banqueiroDaniel Dantas, dono do Banco Opportunity, permitindo o acesso dosenador aos autos do processo que se encontra em sigilo.Mendes ressaltou, nadecisão, que o nome do senador apareceu em reportagens comocitado no inquérito. No pedido, Heráclito alegou que ovazamento de dados sigilosos do inquérito tiveram o “únicoe claro escopo de prejudicar a imagem” de outras pessoas nãoenvolvidas.A OperaçãoSatiagraha investiga crimes financeiros que teriam sido cometidos poruma organização liderada pelo banqueiro Daniel Dantas.Deflagrada na semana passada, o banqueiro chegou a ser preso duasvezes. Dantas acabou sendo beneficiado por duas decisões derelaxamento de prisão concedidos pelo presidente do STF. De acordo com Dallari,ao conceder os habeas corpus, Gilmar Mendes teria descumprido a lei.“O erro de Mendes ocorreu ao assumir uma competência que,legalmente, ele não tem. Depois da decisão do juiz deprimeira instância, de decretar a prisão de Dantas, oprocesso teria que ter passado pelo Tribunal Regional Federal (TRF)e, depois, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), para,depois, chegar ao Supremo. O ministro Gilmar Mendes, na verdade,queimou duas instâncias. Ele deveria simplesmente ter dito queo assunto não era da competência dele e nãodespachar coisa alguma, nem a favor e nem contra”, considerou ojurista.Para ele, Mendesteria agido na contramão do processo de popularizaçãoda Justiça que vem tomando corpo no Brasil. “AJustiça vem se aproximando cada vez mais da população.É possível observar que há um trabalho dedescentralização, criação de juizadosespeciais. Tudo isso trazendo o Judiciário para mais perto dopovo. No entanto, esse episódio envolvendo o Daniel Dantasdemonstrou que, no Judiciário, existe um juiz, altamentesituado, que não aplica a lei, que não respeita a lei.Ele [Mendes] cometeu um erro jurídico. Trata-se de umaresponsabilidade individual. Ele está na contramão doque a lei manda, do que a Constituição estabelece. Eleagiu ilegalmente”, opinou.Dallari considerou queMendes demonstrou desequilíbrio emocional ao anunciar quedenunciaria o juiz federal Fausto De Sanctis, que decretou a prisão de Dantas, ao Conselho Nacional deJustiça. “É muito difícil ter uma conclusãosegura sobre o que levou o ministro Gilmar Mendes a tomar a decisãode mandar soltar Daniel Dantas, mas o que, sem dúvida nenhuma,aconteceu, foi desequilíbrio emocional. A atitude dele contrao juiz mostra que, por alguma razão, ele estava indignado,sentindo-se ofendido. Ele agiu sem serenidade. Na verdade, ele agiucomo advogado. Como advogado de defesa".Desde a semana passada, a atitude de Mendestem provocado a reação de procuradores, juízes e sindicalistas, que chegaram a ensaiar um pedido de impeachment dopresidente do STF. Dallari destacou que a reação eraesperada, na medida que os juizes de primeira instância sesentiram ameaçados pela atitude de Mendes. “Acho que aatitude de se pedir o impeachment é absolutamentecompreensível. Gilmar Mendes tomou uma atitude contra osjuizes dos tribunais. Na verdade, ele tirou a competência deles.Além disso, quando ele disse que iria fazer uma representação  contra o juiz De Santis ao CNJ, todos se sentiram ameaçados.Entenderam que quem decidir alguma coisa contra a vontade de GilmarMendes corre o risco de ser denunciado ao CNJ", explicou. No entanto, Dallariressaltou que a proposta tem pouca chance de prosperar. O primeiroobstáculo apontado pelo jurista é o Senado Federal. “Não acredito que o pedido terá conseqüênciaspráticas porque terá que passar pelo Senado que é,na sua ampla maioria, efetivamente ligado ao mundo dos negócios”,ressalvou Dallari.Para o jurista, apunição para Mendes deveria ocorrer no mesmo CNJ, do qual o ministro étambém presidente.  "Rigorosamente, o CNJ deveria fazer pelomenos uma advertência ao ministro Gilmar Mendes. O paradoxo éque ele é o presidente do CNJ. Então, eu acho poucoprovável que ele advirta a si mesmo. O CNJ é o órgãonacional de controle e disciplina do Poder Judiciário. Noentanto, na hora em que a questão é contra o presidentedo STF, seu funcionamento fica prejudicado. Nesse caso, o CNJencontra-se cerceado, constrangido”, analisou.A assessoria do senador Heráclito Fortes foi procurada pela reportagem da Agência Brasil, mas, no entanto, ninguém foi encontrado em seu gabinete.