Psicóloga defende fim da interdição judicial para portadores de deficiência receberem ajuda do Estado

19/05/2007 - 15h46

Lourenço Canuto
Repórter da Agência Brasil
Brasília - O portador de deficiência ou de distúrbios mentais, com qualquer idade, tem direito a receber mensalmente do Estado o Benefício de Prestação Continuada, equivalente a um salário mínimo (R$ 380), sem a necessidade que sejam interditadas judicialmente.O direito consta do documento entregue esta semana à Procuradoria-Geral dos Direitos do Cidadão pela presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Ana Bock, por ocasião da passagem do "Dia Nacional de Luta Antimanicomial", ocorrido ontem (18). O documento foi elaborado a partir de audiências públicas e de seminários feitos pelo conselho para esclarecer as formas de inclusão social de deficientes e idosos.Bock defende que o recurso da interdição "é uma cultura que precisa ser abolida". "Muitas vezes, por desinformação, é recomendada à família do paciente até mesmo nas agências do INSS [Instituto Nacional do Seguro Social], na melhor das intenções, como garantia de que só assim a pessoa vai ter direito à mensalidade". A psicóloga lembra, no entanto, que a medida é desnecessária, uma vez que o benefício está assegurado por instrução normativa do Instituto INSS e pelo Código Civil brasileiro.A procuradora-geral dos Direitos do Cidadão, Ela Wiecko, alerta para o "perigo da banalização da interdição, uma vez que além de ser desnecessário para assegurar essa espécie de aposentadoria, acaba por exclui-los socialmente”.Junto com o documento, Bock entregou à procuradora a cartilha "Benefício de Prestação Continuada: não abra mão da sua cidadania", elaborada pelo CFP.Existem hoje no Brasil 40 mil pessoas interditadas por decisão judicial. Segundo a procuradora, é uma marca "prejudicial" ao próprio paciente, "que passa a ser tratado como uma criança, submetida ao controle de um curador, que fica sendo o seu tutor". "No entanto, são pessoas que podem ter vida ativa na sociedade, num direcionamento das suas possibilidades, sem carregarem consigo a marca da incapacidade".O relatório do CFP destaca que "a cidadania necessariamente envolve a permanente reconstrução do que se entende por direitos fundamentais, o que é assegurado a todos os cidadãos pela Constituição Federal".Para Bock, o ato da interdição "é feito dentro da ótica de que vai melhorar a situação do paciente, mas do ponto de vista da psiquiatria e da psicologia, piora o quadro, pois é difícil a reversão da declaração de incapacidade. O fato do cidadão perder seus direitos fundamentaisprecisa ser visto pela sociedade como preocupante”.O psicólogo Humberto Verona, presidente do Conselho Federal de Psicologia de Minas Gerais, disse que em Barbacena (MG) há 45 casas para integração de pessoas portadoras de deficiência mental que estabelecem um convívio social longe do recurso da interdição. Ele relata inclusive o caso de um paciente residente que se casou com uma moça internada em uma dessas casas, mostrando que é possível a integração social deles. A interdição, lembra ele, acontece na idade adulta, exatamente quando a pessoa pode ser mais produtiva e integrada à família."Nossa luta é para que haja um tratamento aberto, sem exclusão, sem discriminação, a fim de que a pessoa viva com a família, e a sociedade saiba respeitar e conviver com uma diferença que não impede a convivência normal”, afirma. Humberto Verona lembra que dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) constatam que pelo menos 10% da população mundial, incluindo o Brasil, têm algum tipo de transtorno mental. "O que a gente precisa é se dar conta dessa realidade e oferecer condição para que essas pessoas possam minorar os efeitos do seu quadro e se integrar socialmente", defende.