Andreia Verdélio e Aline Valcarenghi
Repórteres da Agência Brasil
Brasília – A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) comemora liminar da Justiça gaúcha que proibiu a venda de andadores infantis em território nacional e segue em campanha pelo banimento moral do produto, ou seja, que a sociedade se convença de que o andador é prejudicial à criança e, assim, pare de consumí-lo. “Eu chamo de brinquedo assassino. É um produto que não traz benefício nenhum”, argumenta o pediatra da SBP Rui Locatelli Wolf, que ajudou na elaboração da ação civil pública contra os fabicantes de andadores.
Em 2009, Wolf fez o atendimento a uma criança que morreu vítima de traumatismo craniano, em razão de uma queda do brinquedo. “[O andador] atrasa o desenvolvimento psicomotor, provoca quedas, lesões, promove uma independência desnecessária à criança e pode levar à morte”, argumenta o pediatra.
Em agosto desse ano, o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia, Inmetro, testou dez marcas de andadores disponíveis no mercado brasileiro, de fabricação nacional e importada, e todas elas foram reprovadas. Inclusive aquelas que já eram certificadas pela norma europeia vigente, usada pelo instituto nos testes, já que não há uma certificação brasileira. Estas marcas representam mais de 90% do mercado de andadores.
O pediatra Rui Wolf explica que essa nova certificação pode demorar anos para ser aprovada e que os fabricantes de brinquedos infantis querem normas mais brandas. “Participamos de um painel setorial promovido pelo Inmetro e, na ocasião, o presidente da Associação Brasileira de Produtos Infantis (Abrapur) não apresentou nenhum argumento favorável à fabricação desses produtos”, disse. “Apesar de uma nota pública assinada por várias entidades, apesar da reprovação dos produtos pelo Inmetro, as autoridades não tomaram providências”, lamenta Rui.
A organização não governamental (ONG) Criança Segura, que promove a prevenção de acidentes em crianças e adolescentes, também é favorável ao banimento dos andadores infantis e iniciou a mobilização em conjunto com a SBP e outras organizações com o objetivo de proteger as crianças. Segundo a coordenadora nacional da ONG, Alessandra Françoia, “a população é dependente do Estado e acredita que o que está sendo vendido é seguro, mas sem certificação, devem sair do mercado”, explica.
“Se não conseguirmos o banimento industrial dos andadores, vamos tentar o banimento moral, alertando os pais sobre os malefícios que ele provoca. Não precisamos antecipar o desenvolvimento que vai acontecer naturalmente”, diz Wolf, explicando que na Europa, embora a venda não seja proibida, há o impedimento moral, os pais já se conscientizaram e não compram mais os andadores.
Mesmo com a liminar da Justiça, é possível encontrar andadores infantis disponíveis no mercado. Segundo Irene Alves, gerente de uma loja de produtos infantis em Brasília, a procura pelo produto caiu depois das reportagens sobre a proibição. “Vamos vender apenas o que está no estoque e não pegar mais com o fornecedor”, diz Irene.
A mesma postura será adotada por outro estabelecimento, gerenciado por Maria Marlene Leite, que explica que a procura por esse tipo de produto não é grande. “Uma vez ou outra aparece algum pai procurando, semana passada houve um cliente, mas chega a ficar dois a três meses sem ninguém procurar por andadores”, conta ela.
O pediatra Rui Wolf diz que, caso a sociedade brasileira não aceite o banimento dos produtos, ele sugere que, no lugar do 'andador', os pais optem pelo 'parador', sem rodas, no qual a criança fica parada. “Não é o ideal, pois também atrasa o desenvolvimento, mas evita lesões e mortes. Trabalhos publicados indicam que 24 horas em cima do andador leva a 3,3 dias no atraso do desenvolvimento da marcha e a 3,7 dias de atraso no desenvolvimento de postura dos pés”, conta Wolf.
Apesar de o resultado dos testes do Inmetro terem reprovado os andadores, o diretor de Qualidade do órgão, Alfredo Lobo, acredita que a proibição da venda de andadores é uma medida drástica, embora saiba que há muitos relatos de acidentes com o produto. “Ninguém mostrou estudos conclusivos para o banimento dos andadores”, disse Lobo. Ele acrescentou que o produto é usado em todo o mundo, menos no Canadá. O diretor lembra que o uso do andador, assim como o de qualquer brinquedo, requer atenção de um responsável.
O Inmetro solicitou à Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) a elaboração de normas para o aparelho. Depois de concluídas, provavelmente no final de 2014, o órgão vai criar um selo de qualidade que será exigido dos fabricantes para que os andadores possam ser comercializados. Segundo Lobo, requisitos como travas para evitar tombos e um manual com informações sobre montagem e uso seguro dos andadores estarão contemplados no regulamento.
A certificação integra as ações do instituto para segurança infantil, que ainda lidera o ranking de relatos do Banco Nacional de Dados de Acidentes de Consumo, com 14% dos casos. Itens como brinquedos, cadeirinhas de automóvel, mamadeiras, chupetas, carrinhos de bebê, cadeira alta para alimentação e berços são alguns produtos já certificados pelo Inmetro e que só podem ser comercializados no Brasil com selo de qualidade.
Em nota, a Abrapur diz que está colaborando com o Inmetro para a formulação das regras do setor. “A meta da entidade é que todos os produtos comercializados (nacionais ou importados) tenham o selo de qualidade do Inmetro”. A entidade adiantou que vai cumprir a decisão liminar da justiça gaúcha que proibiu a venda de nove marcas de andadores em todo o país, mas que “trabalhará para derrubar a liminar”.
Edição: Denise Griesinger
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