Coluna da Ouvidoria - Avidez pelo lucro

12/08/2013 - 17h26

Brasília - Entre os dias 23 de julho e 2 de agosto, seis leitores enviaram e-mails à ouvidoria para falar sobre a cobertura feita pela Agência Brasil do caso TelexFree. Dois leitores apontavam o erro de um valor divulgado em uma das matérias. Outros dois pediam informações sobre o andamento do processo, que aguarda a decisão final baseada nos méritos. Para os dois primeiros, a Diretoria de Jornalismo (Dijor) se comprometeu a checar a informação e o erro foi imediatamente corrigido. Já para os outros dois, a Dijor respondeu que o processo corre em segredo de Justiça e assegurou aos leitores que, assim que houver uma novidade, o registro será feito pela ABr.

A Agência Brasil publicou seis matérias sobre o assunto. Uma foi divulgada em março, quando o Ministério da Fazenda pediu que a Polícia Federal e o Ministério Público Federal investigassem a empresa por suspeita de pirâmide financeira. Cinco foram publicadas em julho, depois da decisão do Tribunal de Justiça do Acre que suspendeu as atividades da empresa no Brasil [1].  Em termos das fontes consultadas e das posições apresentadas, a cobertura foi equilibrada. Seis fontes, representando órgãos executivos e judiciários federais e estaduais (Ministério da Fazenda, Ministério da Justiça, Tribunal de Justiça do Acre e Ministério Público do Estado do Acre), lançaram suspeitas ou condenaram a atuação da empresa; três fontes judiciárias federais (Conselho Nacional de Justiça, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal), que negaram recursos da empresa, alegando a impossibilidade de interferir no processo; e sete fontes, representando a TelexFree e seus divulgadores, defenderam a empresa contra a decisão da Justiça do Acre.

Ainda assim, para os dois últimos leitores, a cobertura foi prejudicada por preconceitos contra a empresa. Um deles, André Luís Fumes, comentou: “Queria saber quando vão noticiar sobre o beneficiamento da Telexfree ao povo brasileiro. Aqui no Brasil vocês da mídia deveriam repudiar noticias que favorecem políticos, banqueiros e empresas de grande porte que tem isênção fiscal, mas acontece o contrário. Estão sempre a favor dos que sugam o suor e trabalho do povo. Pesquisem e analisem em vez de copiar noticiários inventados pela grande mídia que domina toda a comunicação e parte dos brasileiros sem informação!”.  O outro, Pedro Henrique Santos, reclamou: “Com essa matéria sobre a Telexfree … vocês perderam a credibilidade que eu possuía nesse site. Afirmaram que as empresas citadas são pirâmides sem ao menos conhecerem. Como vocês afirmam algo que nem mesmo a Justiça conseguiu provar até agora?” À sua reclamação, a Dijor respondeu:  “Respeitamos a observação feita pelo leitor, mas gostaríamos de corrigi-lo. Em momento algum fomos interlocutores dessa informação. O que as matérias da Agência Brasil mostraram foi que a Justiça suspendeu as atividades da Telexfree por suspeita da prática de pirâmide. Isso é um fato e omiti-lo seria mau jornalismo."

A TelexFree é uma empresa de marketing multinível cujas atividades no Brasil foram suspensas em junho por uma liminar cautelar do Tribunal de Justiça do Acre. A empresa, sediada nos Estados Unidos, e sua representante brasileira, a Ympactus Comercial Ltda., estão sendo investigadas desde março pela Secretaria Nacional de Justiça e por ministérios públicos em vários estados pela prática de crimes contra a economia popular, especificamente o esquema de fraude conhecido como ponzi (onde os ganhos dos participantes dependem não da venda do produto ou serviço oferecido, mas da injeção contínua de capital por meio da entrada de novos investidores) ou pirâmide financeira (em que os novos investidores entram por meio dos participantes atuais, que recebem ganhos adicionais em função do recrutamento). Como a ABr observou em uma das suas matérias, “assim que os aplicadores param de entrar, o esquema não tem como cobrir os retornos prometidos e entra em colapso”.

Da perspectiva da ouvidoria, as reclamações desses leitores sugerem, antes de mais nada, que a ABr poderia ter arrolado argumentos mais contundentes para mostrar por que as empresas tiveram suas atividades suspensas. Se houve alguma falha na cobertura, não foi por falta de equilíbrio na apresentação dos lados contrários da questão, mas pela falta de detalhes importantes sobre o caso que envolve a empresa. Na cobertura, a ABr caracterizou bem o esquema de pirâmide financeira, mas quem, como os leitores que reclamaram à ouvidoria, não estiver já convencido de que a TelexFree e a Ympactus se enquadram nesse gênero, encontra poucos subsídios para formar um juízo sobre o caso. A ABr poderia ter fornecido mais informações sobre os indícios e as razões que fundamentaram a decisão da Justiça do Acre. Além de esclarecer o caso, tais informações teriam prestado o serviço de alertar o público sobre os prejuízos que esse tipo de atividade pode causar e justificar a intervenção do Estado nesses casos.

No caso da Telexfree, as provas indiciárias estão disponíveis nos argumentos apresentados pelo Ministério Público e pela juíza do Tribunal de Justiça do Acre na sua decisão de deferir a ação cautelar proposta pelo Ministério Público. A decisão liminar merece ser lida na integra [2], mas, a título de ilustração, reproduzimos alguns trechos: “Ao contrário do que ocorre no marketing de rede, em que o revendedor foca sua atuação na revenda dos produtos ou serviços e no recrutamento de pessoas também aptas a aumentar o volume de vendas ..., o divulgador da Telexfree tem na venda e revenda de contas VoIP 99 Telexfree... fontes secundárias de receitas. Isto porque, ... a venda e revenda das referidas contas não são obrigatórias, tampouco são a maior fonte de rendimento do negócio”.

No que diz “respeito à postagem de anúncios diários, que geram direito ao recebimento de outras contas VoIP, vê-se também nesta atividade forte indício de simulação,... pois, na prática, os anúncios publicados diariamente por milhares de revendedores têm tido pouquíssimo alcance publicitário … Os divulgadores são obrigados a utilizar textos padrões, que são publicados, repetidamente, apenas nos sites autorizados pela [empresa], muitos deles criados exclusivamente para este fim. Se fosse realmente a intenção da [empresa] divulgar os produtos e serviços de seus anunciantes, poderia fazê-lo por meios mais eficazes e menos onerosos, vez que, na prática, tem recomprado dos divulgadores (por mera liberalidade) as contas VoIP que dá em pagamento pelo serviço de publicidade ....  Mais uma vez o próprio regulamento, que se propõe a fomentar o marketing multinível, estimula seu divulgador a realmente apenas divulgar (e mal divulgado) o serviço VoIP, em forte indício de que a venda (e também a divulgação) não é realmente seu foco”.

Dados disponíveis no site da TelexFree corroboram que o serviço VoIP é pouco utilizado, mesmo pelos divulgadores, que, como qualquer outro usuário, são obrigados a pagar US$ 49,90 por mês para manter a conta ativa. Em janeiro de 2013, a empresa comemorou ter alcançado 1,3 milhão de minutos de ligações telefônicas no mês. Com cerca de meio milhão de divulgadores na época, isto corresponde a uma produção de menos de três minutos por divulgador.

A liminar concedida pela Justiça do Acre é uma medida cautelar para estancar a proliferação da rede e resguardar os direitos dos divulgadores, por meio da proibição de novos cadastros e a suspensão de pagamentos aos divulgadores já cadastrados, além do bloqueio das contas bancárias e dos bens dos responsáveis, até o julgamento final da ação principal. De acordo com a decisão da juíza, “em se confirmando a tese de que a atividade da [empresa] configura a 'pirâmide financeira', o resultado será a nulidade de todos os contratos firmados com os divulgadores e restituição dos valores pagos aos que não obtiveram retorno suficiente ao ressarcimento do investimento. Para tanto, é imprescindível a existência de recursos disponíveis, os quais deverão ser direcionados aos que amargarem prejuízos, em detrimento, se necessário, daqueles que já lucraram com o negócio aparentemente ilícito”.

O Estado, porém, tem a obrigação nesses casos de proteger o cidadão, com base na da Lei nº 1.521, de 26 de dezembro de 1951, que considera os esquemas de pirâmide financeira crimes contra a economia popular. Mesmo assim, a jurisprudência brasileira tem mostrado que há limites. Empresas condenadas pela prática de contratos de pirâmide têm sido obrigadas, com base no princípio da boa-fé objetiva, a reparar os danos materiais na ocasião da rescisão desses contratos, com a devolução do valor pago pela adesão. Contudo, a hipótese da reparação de danos morais tem sido afastada, pois “não se ignora que o aderente … reconhece que a obtenção de seus lucros é condicionada simplesmente a adesão de novos associados [ao esquema]. Nesse sentido, não haveria que se falar em danos morais reparáreis, pois a frustração do negócio seria fruto da cobiça e incúria do aderente, que não teria nenhum de seus direitos de personalidade desrespeitados em razão da exposição pública na participação nesses contratos” [3].  

Até a próxima semana.

[1] http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-03-14/ministerio-da-fazenda-pede-investigacao-federal-sobre-suposto-esquema-de-piramide-financeira
http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-07-08/franqueados-de-empresa-suspeita-de-fazer-piramide-financeira-protestam-em-brasilia
http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-07-08/policia-federal-vai-investigar-empresa-telexfree
http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-07-10/ministro-do-stf-nega-recurso-de-associados-da-telexfree
http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-07-23/bloqueio-de-acessos-ao-aeroporto-de-brasilia-e-suspenso-apos-mpf-decidir-receber-associados-da-telexf
http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-07-30/tribunal-do-acre-volta-rejeitar-recurso-da-empresa-telexfree
[2] http://dodireitoajustica.blogspot.com.br/2013/06/decisao-liminar-do-tjac-na-integra-que.html
[3] http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/sistemas-de-piramide-crime-contra-a-economia-popular