Akemi Nitahara
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro – Nos últimos anos, a forma de violência praticada por policiais mudou. Quem afirma é o assessor de Direitos Humanos da Anistia Internacional, Maurício Santoro. De acordo com ele, apesar de terem ocorrido outras chacinas após a da Candelária, que completa 20 anos na próxima semana, a polícia promoveu “alguns esforços” para tentar modificar a atuação da corporação, como a criação das unidades de Polícia Pacificadora.
“Esse tipo de grande chacina já tem alguns anos que a gente não vê mais. Mas a gente continua tendo, por exemplo, operações policiais muito questionáveis, que matam uma quantidade muito grande de pessoas. Na mais recente delas, no mês passado, no complexo de favelas da Maré, foram dez mortos. Não é a mesma coisa que uma chacina, que é uma execução sumária, um tipo muito mais grave de violência, mas mostra nossa dificuldade em realmente superar a violência como um todo”.
Só este ano, foram registrados até maio, na cidade do Rio de Janeiro, 101 homicídios decorrentes de intervenção policial, segundo dados do Instituto de Segurança Pública do estado. Santoro lembra que a Chacina da Candelária teve grande repercussão internacional, mas é um tipo de crime muito comum, principalmente contra jovens negros e pobres.
“Há uma forte impunidade que ronda esse tipo de crime. E a Candelária nem é o pior exemplo nesse aspecto porque ali, bem ou mal, alguns dos responsáveis foram presos e ficaram alguns anos na cadeia, embora não muitos, porque a Lei de Crimes Hediondos no Brasil é posterior à Chacina da Candelária, então eles não puderam ser julgados por ela. Se tivesse acontecido hoje eles teriam pego penas maiores”.
Depois da Candelária, que teve oito mortos, houve chacinas em Vigário Geral (1993 – 21 mortos), morro do Borel (2003 – quatro mortos), Via Show (2003 – quatro mortos) e Baixada Fluminense (2005 – 29 mortos). De acordo com a Anistia Internacional, todos os crimes foram cometidos por policiais e as vítimas eram adolescentes negros e pobres.
O coordenador de projeto de meninos e meninas de rua da Associação Beneficente São Martinho, Jairo Ferreira, concorda que a violência policial mudou nos últimos anos. “Em relação aos meninos de rua diminuiu bastante, mas a gente sabe que ainda acontece: o policial vai na comunidade, mata crianças e adolescentes e diz que foi o bandido.
A São Martinho prestou assistência psicológica e jurídica aos sobreviventes da Chacina da Candelária na época e organiza as homenagens para lembrar os 20 anos da tragédia. Na manhã de hoje (19) houve uma missa na Igreja, seguida de passeata até a Cinelândia e ontem (19) a tragédia foi lembrada em uma vigília que reuniu familiares das vítimas.
O episódio entrou para a história do país como um dos crimes mais bárbaros contra crianças e adolescentes e ocorreu no dia 23 de julho de 1993. Naquela madrugada, pelo menos 50 meninos e meninas dormiam na escadaria da igreja, no centro da cidade, quando carros pararam em frente ao local e abriram fogo contra o grupo.
O sobrevivente Wagner dos Santos, principal testemunha do caso, sofreu tentativa de assassinato em 1994 e hoje vive na Suíça. Três sobreviventes morreram nos anos seguintes em confrontos com a polícia.
Para o assessor da Anistia Internacional, o caso reflete um problema muito maior da sociedade brasileira. “Há um ponto muito forte que é a incapacidade do estado, a negligência do poder público na proteção desses jovens. O próprio caso da Candelária, para além da chacina, além da violência física daquela noite: que tipo de sociedade é essa em que você tem 50, 70 crianças dormindo na rua, na escadaria de uma igreja? Quer dizer, já tinha alguma coisa muito errada ali, mesmo antes do primeiro disparo ser efetuado”.
Edição: Denise Griesinger
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