Brasília - Com participação de ouvidores da Argentina, do México, do Canadá, da Colômbia e da Espanha, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) realizará, nos dias 24 e 25, em Brasília, o Colóquio Internacional de Ouvidorias de Comunicação Pública – A Prática do Direito do Cidadão à Informação e à Comunicação, em parceria com a Ouvidoria-Geral da União (OGU).
Um dos pontos altos do evento será a apresentação da Defensoría del Público de Servicios de Comunicación Audiovisual da Argentina, uma espécie de ouvidoria-geral da mídia no país. O cargo, apesar de ter sido criado em 2009 pela chamada Lei dos Meios, só veio a ser ocupado em novembro de 2012, com a nomeação de Cynthia Ottaviano, uma profissional com mais de 20 anos de experiência e um currículo destacado pelo jornalismo investigativo e na defesa dos direitos do consumidor. A defensoria, que trata de questões referentes à radiodifusão – rádio e televisão – no país, não é vinculada a nenhum veículo ou grupo de veículos da mídia nem ao Poder Executivo argentino. Ela presta contas ao Congresso e seu orçamento provém de 5% dos impostos arrecadados dos donos dos serviços de comunicação audiovisual. Sua ligação ao Congresso é mais especificamente à Comisión Bicameral de Promoción y Seguimiento de la Comunicación Audiovisual, composta de oito senadores e oito deputados federais.
Embora sem o poder de multar ou punir, a defensoria, norteada pela busca de soluções por meio da mediação, foi dotada pela Lei dos Meios de “legitimação judicial e extrajudicial para atuar de oficio, por si e/ou em representação de terceiros, ante toda classe de autoridade administrativa ou judicial” para atender às consultas, reclamações e denúncias recebidas do público. A Defensoría del Público de Servicios de Comunicación Audiovisual, mais que isso, “se expressará através de recomendações públicas aos titulares, autoridades e dos profissionais dos meios de comunicação social contemplados nesta lei, ou de apresentações administrativas ou judiciais nas quais se determine a eles ajustar seus comportamentos ao ordenamento jurídico na medida em que se afastem dele, nos casos ocorridos” e “as recomendações que a defensoria apresente às autoridades com competência em matéria de radiodifusão… são de tratamento obrigatório”.
Para quem está acostumado à atuação de uma ouvidoria que não tem um mandato tão amplo nem tantos recursos institucionais para fazer prevalecer a vontade do público que representa, a situação única da defensoria da Argentina desperta muitas curiosidade sobre como funciona na prática. Ela é a primeira no mundo do seu tipo, com alcance nacional e competência para agir com todas as categorias de empresas da mídia de radiodifusão (privadas, comerciais, públicas e sem finalidades lucrativas). As demandas dirigidas a ela podem ser submetidas pelo público não apenas diretamente por meio de um formulário disponível no site, por telefone ou pelos correios (com planos anunciados de estender em breve as vias de contatos ao fax, celular e câmara web), mas também por outros órgãos oficiais, tais como a Defensoria del Pueblo de la Nación e o Instituto Nacional contra la Discriminación, la Xenofobia y el Racismo (Anadi).
Os vários casos relatados pela defensora no encontro anual da Organização de Ombudsmen Jornalísticos (ONO) em maio deste ano, em Los Angeles (Estados Unidos), reforçam essa curiosidade sobre, por exemplo, como é feita a seleção dos casos aos quais a defensoria dedica um empenho especial – do total de 187 demandas registradas até então - e como ela obtém resultados concretos, não apenas comunicações internas nas quais o veículo admite que, se houve erro, ele foi corrigido ou procura justificar a prática criticada com argumentos baseados nas peculiaridades da produção midiática. Até que ponto isso decorre da nova legislação em vigor no país? No encontro em Los Angeles, a defensora apresentou alguns exemplos: 1) de uma reportagem sobre maus-tratos de crianças em uma escola particular. Um canal de TV noticiou a história, mas ilustrou-a com imagens de arquivo, de um colégio qualquer. Exibiu ainda a foto de uma professora que tinha o mesmo nome da acusada, mas que nada tinha a ver com o caso. Acionada, a defensoria conseguiu que o canal lesse uma nota de correção, repetida tantas vezes quantas tinham sido as aparições da professora no ar; 2) Quase na fronteira com a Bolívia, um grupo de moradores reclamou à defensoria porque queria a atenção da imprensa para uma denúncia de contaminação ambiental na região. Com a ajuda do ombudsman, o assunto entrou na pauta da rádio pública de Buenos Aires; 3) a defensora disse que apesar da sua nomeação ter sido praticamente ignorada pelos grandes meios de comunicação argentinos, que estão em pé de guerra com o governo de Cristina Kirchner, ela conseguiu encaminhar, com sucesso, uma demanda referente ao grupo Clarín. Para divulgar suas ações, a defensoria realiza audiências públicas, conduz oficinas com alunos de escolas e funcionários de emissoras locais e participa em fóruns universitários e sindicais, além de manter um portal na internet.
Outra presença de destaque será a canadense Esther Enkin, ouvidora para os serviços em inglês da Canadian Broadcasting Corporation (CBC), que, assim como a defensora Cynthia da Argentina, assumiu o cargo em novembro do ano passado. Segundo o relatório anual da Ouvidoria da CBC de 2011-2012, preparado por seu antecessor, a ouvidora conta com apenas uma assistente para atender a aproximadamente 4 mil demandas anuais referentes aos conteúdos dos veículos – rádio, televisão e portal na internet – da empresa canadense de mídia pública (há também um ouvidor da Rádio Canadá para os serviços em francês, com uma assistente). Juridicamente, a CBC, como a Rádio Canadá, é uma corporação que, dentro do sistema parlamentar do governo do país, responde diretamente ao Parlamento por meio do Ministério do Patrimônio Canadense, que até 1996 integrava o Ministério de Comunicações. O financiamento provém de várias fontes, principalmente do Tesouro Nacional (65% em 2010-2011) e da comercialização de espaço publicitário (20% em 2010-2011).
O que torna possível dar conta da tarefa são as limitações impostas em relação à missão e à competência da função. Quando uma demanda chega à ouvidoria, ela é encaminhada para o setor responsável, ao qual cabe a responsabilidade de responder diretamente ao demandante. A ouvidoria só entra em ação quando o demandante se manifesta insatisfeito com a resposta ou quando avalia que o setor responsável está demorando muito para responder. Nesse sentido, o papel da Ouvidoria da CBC é como um tribunal de recursos ou uma segunda instância, igual ao que existe no Brasil nas empresas privadas e nos órgãos do governo que têm serviços de atendimento ao consumidor ou ao público para proverem os atendimentos em primeira instância, com uma ouvidoria para tentar resolver eventuais desavenças ou discordâncias. Em 2011-2012 a Ouvidoria da CBC fez e publicou no seu site 91 reviews (avaliações) das demandas e respostas em nível de segunda instância. Esses reviews, junto com os relatórios anuais, são o principal produto da Ouvidoria da CBC.
Dentre a variedade das questões tratadas pela Ouvidoria da CBC, mencionamos apenas duas que também surgem com frequência no trabalho da Ouvidoria da EBC: 1) a correção de erros nas matérias: discute-se não apenas se um erro foi cometido em termos das normas e práticas do jornalismo, que levam em conta as circunstâncias específicas da produção jornalística, e se o erro foi devidamente corrigido, mas se o público foi devidamente informado da correção; 2) a providência de espaço para outros pontos de vista: discute-se não só se o espaço foi providenciado, mas se a providência foi tomada num prazo razoável e se, dentro de abordagens que muitas vezes abrangem múltiplas plataformas midiáticas, o acesso do público aos contrapontos é facilitado. Quanto a este ponto, nota-se o empenho da Ouvidoria da CBC em superar a fragmentação que é natural dos avanços representados pelas novas tecnologias.
Essa atenção às novas tecnologias está presente em outros aspectos da atuação da Ouvidoria da CBC, por mais que sua esfera de atuação pareça constrangida pelas rotinas. Em uma das avaliações recentes, realizada já na gestão da nova ouvidora, aparecem comentários não apenas sobre a maneira com que o assunto – uma conta absurdamente alta supostamente cobrada pelo serviço de roaming utilizado pelo filho de um casal canadense durante as férias que a família passou no México – foi abordado na cobertura, como também os comportamentos adotados no diálogo conduzido no Twitter entre o demandante e a representante do setor responsável pela resposta. Daí se vê que, com a disponibilidade das redes sociais para esses diálogos, o papel da ouvidoria, que só entra depois, se complicou, intensificando a potencial importância da sua função de bombeiro para apagar os incêndios.
Sobre essa questão, Esther Enkin comenta: “É louvável que os repórteres entrem em diálogo com os membros do público que têm perguntas ou sugestões sobre seu trabalho. A lição mais valiosa em tudo isso é de que o Twitter deveria ser utilizado onde for adequado, mas, para questões complexas onde existe uma divergência de opinião, outro método de comunicação seria muito mais eficaz. Pelo [fato de o] Twitter ser tão instantâneo, é difícil parar para pensar duas vezes com mais calma. As organizações jornalísticas enfrentam uma gama de desafios com as mídias sociais. A gerência de notícias poderia se interessar em dar mais orientações à equipe jornalística sobre quando e como se envolver em diálogos pelo Twitter para que eles possam ser aproveitados com mais eficácia e possam engrandecer a abertura e a transparência com as quais suas políticas se comprometem”.
A realização do Colóquio Internacional de Ouvidorias de Comunicação Pública, com a participação da denfensora da Argentina e da ouvidora do Canadian Broadcasting Corporation (CBC), no Canadá, somada às experiências que serão compartilhadas pelos representantes da Colômbia, do México, da Espanha e do Brasil, reforça as ações de consolidação da prática recente, no país, do direito fundamental de acesso à informação, e corrobora com a necessidade de se contribuir para o fortalecimento das ouvidorias, com a divulgação de suas práticas, no sentido da disseminação da cultura da transparência e da busca, pelo cidadão, por informações de caráter público.
O evento terá como tema central de discussão o Direito à Informação e à Comunicação, de acordo com as especificidades e o papel das ouvidorias dos veículos de comunicação pública nos países da América Latina, da Europa e da América do Norte, com o objetivo de estabelecer o intercâmbio entre as ouvidorias de comunicação pública e organizações similares, e, sobretudo estabelecer um canal de diálogo entre os ouvidores, para que esse instrumento público, que são as ouvidorias, possa cada vez mais garantir o acesso à opinião, mas fundamentalmente contribuir para qualificar a opinião do público. As reflexões e conclusões alcançadas certamente servirão como base para se definir novos rumos para a integração e complementaridade desse direito humano e do papel estratégico a ser exercido pelos veículos de comunicação pública para assegurar a legitimidade deles por meio da participação do cidadão na consolidação da democracia.
Boa leitura!