Leandra Felipe
Correspondente da Agência Brasil/EBC
Bogotá - Carmenza, María Sanabria, Lucero, Maria Doris e Luz Marina. Elas e mais 13 mulheres são chamadas de Mães de Soacha (a duas horas da capital da Colômbia), que se uniram na dor e na busca de justiça pelos assassinatos de seus filhos, ocorridos no conhecido escândalo dos “falsos positivos”, nome dado às execuções extrajudiciais de civis cometidas por membros do Exército colombiano entre 2007 e 2009.
Elas lutam para esclarecer a morte de 17 jovens da cidade, conhecida por abrigar milhares de deslocados internos pelo conflito armado. Nesse sábado (11), a Agência Brasil foi conhecer a história destas mulheres que lutam para esclarecer a verdade e pedir a punição dos envolvidos nos assassinatos.
María Sanabria, de 54 anos, espera o julgamento do processo dos militares que mataram seu filho, Jaime Stiven Valencia. Aos 16 anos, ele saiu de casa em Soacha, em agosto de 2008, para comprar comida, e nunca mais regressou.
A mãe conta que ficou preocupada porque o filho não voltou. Ele telefonou dois dias depois e disse para a irmã que estava no departamento de Norte de Santander (região dos Andes colombianos), mas que estava “tentando voltar para casa”.
María Sanabria relata que essa foi a última vez que soube notícias do filho. Ela procurou ajuda na Promotoria e na prefeitura de Soacha, mas as autoridades não recebiam a queixa, alegando que era “cedo para registrar o caso como desaparecido”.
Depois de oito meses, María Sanabria conseguiu fazer a denúncia, e o corpo do filho foi localizado enterrado em uma vala comum. “Quando eu vi a foto do meu filho morto, com sinais de tortura, eu pedi a Deus que fosse um pesadelo e que fosse engano. Mas os exames comprovaram que era ele”, contou emocionada.
No registro militar constava que Jaime Stiven havia sido “abatido em combate”, no contexto do conflito armado. O corpo também foi encontrado com roupas e botas usadas por guerrilheiros.
Mas a mãe diz que ele não era das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e de nenhum outro grupo armado ilegal. “Meu filho não saiu de casa com aquela roupa e ele não tinha aquela farda, porque não era guerrilheiro”, diz a mãe.
A história de Doris Castañeda é semelhante, mas ela ainda não conseguiu o corpo do filho, que está em poder do Exército. Ela completou 63 anos ontem e ganhou um bolo de aniversário das amigas que dividem com ela o mesmo drama. “Meu aniversário quase sempre é perto do Dia das Mães, e por isso é mais difícil. Não sei como suporto”, declarou chorando, enquanto era consolada pelas outras mães.
Óscar Alexander era vendedor de roupas e viajava pelo país para distribuir mercadorias. Ele tinha 26 anos quando desapareceu. Em 31 de dezembro de 2007, ligou para Doris para dizer que não ia conseguir chegar em tempo para a virada do ano e que viajaria no dia seguinte, porque estava trabalhando em Cucutá, capital do Norte de Santander.
Depois dessa ligação ele nunca mais apareceu, e o celular ficou desligado. A família começou a procurar por ele, mas somente em junho de 2011 souberam que havia sido morto pelo Exército. “O registro dizia que ele foi morto porque estava em combate. Mas como, se ele nunca foi de guerrilha nenhuma?”, questiona Doris.
O caso das Mães de Soacha ganhou reconhecimento internacional e as mulheres são acompanhadas pela Anistia Internacional e por organizações não governamentais que atuam na defesa de direitos humanos.
Luz Marina Bernal Parra perdeu o filho Fair Leonardo Bernal em 2008. Aos 26 anos, o jovem era portador de necessidades especiais e tinha idade mental de 9 anos. Ele não sabia ler e nem escrever, mas foi assassinado por militares sob acusação de que era um líder do narcotráfico de um grupo armado ilegal.
“Como meu filho, que agia como menino, e nem sequer ouvia direito, poderia ser um chefe de um grupo armado?”, questiona Luz Marina, cuja morte do filho é um dos poucos casos de falsos positivos já julgados.
Quando se reúnem, as Mães de Soacha usam uma veste branca para lembrar a tragédia e sinalizar que querem justiça e a “não repetição dos casos”.
Algumas delas não estavam vestindo o uniforme, porque enviaram as roupas à mesa de negociação de paz entre as Farc e o governo colombiano em Havana. “Com o gesto, queremos pedir que o Estado não se esqueça de reparar seus próprios erros. Queremos garantia da não impunidade e da reparação. Basta de violência e dor neste país”, acrescentou.
As Mães de Soacha são consideradas o símbolo da luta no país contra execuções ilegais e crimes de agentes do Estado, cometidos no contexto do conflito armado que o país enfrenta.
As mulheres que buscam a verdade sobre a morte de seus filhos já receberam várias ameaças de morte, registradas pelo governo e pela Anistia Internacional. No último mês de março, as Mães de Soacha receberam o prêmio Construtoras de Paz 2012, pelo Instituto Catalão Internacional da Paz.
Edição: Davi Oliveira
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