Heloisa Cristaldo
Enviada Especial da Agência Brasil/EBC
Petrolina (PE) – “O sol é o inimigo que é forçoso evitar, iludir ou combater”. A frase escrita por Euclides da Cunha na obra Os Sertões, em 1902, revela o que até hoje o cidadão sertanejo precisa enfrentar no seu dia a dia. A falta de chuva impõe ao semiárido brasileiro a pior seca dos últimos 50 anos.
Dados do Instituto Nacional do Semiárido (Insa/MCTI) apontam que a estiagem já afeta mais de 90% dos municípios do semiárido, o que levou a Secretaria Nacional de Defesa Civil a decretar situação de emergência e estado de calamidade pública em 1.046 municípios, em razão da escassez de chuva. A população mais vulnerável destes municípios é a rural, que representa mais de 8 milhões de habitantes, por não contar com infraestrutura de abastecimento de água: a área tem como únicas fontes de renda a agricultura familiar de sequeiro (em áreas não irrigadas), a criação de animais e o extrativismo.
É na comunidade de Budim, zona rural de Petrolina (PE), que mora o agricultor Jurandir Cardoso, de 59 anos. O sorriso e a receptividade do agricultor contrastam com a aridez do cenário da região onde vive com família. Com a estiagem, a vegetação da caatinga já começa a perder a cor: o verde que ainda resiste é o do mandacaru e o da palma, cactáceas adaptadas ao clima da região.
Ao todo, dez pessoas se dividem em uma casa de taipa de quatro cômodos. Casada, a filha mais velha continua morando com os pais e trouxe o marido e o filho de 1 ano e 6 meses para viverem juntos no local. Cardoso declarou receber R$ 238 em benefícios do Programa Bolsa Família por manter cinco dos seus seis filhos na escola. Segundo o agricultor, essa é a única renda mensal fíxa de toda família.
Com a ajuda de uma cisterna que capta água da chuva, Jurandir Cardoso cultiva em um lote de 6 hectares pinha, manga, acerola e limão para o consumo próprio da família. O pequeno excedente da produção é vendido em uma feira local. A água salobra é usada pela família e também é dividida para o consumo dos 20 animais do seu rebanho. Eles servem como poupança, quando conseguem sobreviver aos efeitos da seca, podendo ser vendidos por até um terço do valor.
As chuvas na região não foram suficientes para encher a cisterna e, para não perder a segunda safra consecutiva, o agricultor sai em busca de água. Segundo Cardoso, a comunidade também recebe água gratuita distribuída pelo Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa) mas, em situações extremamente críticas, sem chuva e sem a distribuição de água, o agricultor disse que chegou a pagar R$100 por água de carro-pipa. A família diz que já ficou sem água na cisterna por duas semanas. No período, a sobrevivência deu-se apenas com a água recolhida na barragem localizada a 12 quilômetros de casa.
“Quando há água na barragem, a gente põe um tambor no lombo do burro e [assim consegue] regar as plantinhas. Quando não há, a gente precisa comprar água. Compro um pipa d'água e aí vamos botando aos pouquinhos porque não temos condição de comprar direto”, descreve.
Para salvar seu rebanho, o agricultor recorreu à compra de ração de milho mais barata, oferecido pelo governo federal. A medida é mais uma das ações emergenciais para enfrentar a estiagem. De acordo com o Ministério da Integração Nacional foram disponibilizadas cerca de 400 mil toneladas de milho para ração animal por um valor reduzido. O valor da saca de 60kg é R$ 18,10, inferior à média cobrada no semiárido, de R$ 45.
“Deu uma chuvinha, o pasto na roça começou a sair e acabou, o sol queimou. Deu essa outra [chuva] agora e já está tudo murcho de novo. Os animais já estão [sendo alimentados] na ração”, disse.
A poucos quilômetros da casa de Jurandir, a família de Espedito Paulo dos Santos vive outra realidade. Com a utilização da agricultura biossalina, uma das tecnologias desenvolvidas pela Embrapa Semiárido, o agricultor produz sorgo e capim como ração para os 200 animais de sua propriedade. Segundo Santos, a medida reduziu metade dos custos da produção e prolonga a vida dos animais nos períodos de estiagem.
De acordo com o pesquisador da Embrapa, Gherman Araújo, a tecnologia já é usada em várias partes do mundo, em regiões onde a disponibilidade de água é muito pequena. Um poço é perfurado para encontrar água no subsolo e com ela são produzidas plantas que toleram melhor o sal e o estresse climático, as chamadas halófitas. Essas plantas são usadas como ração animal na região.
O produtor rural comemora o sucesso da tecnologia em sua propriedade, mas é pessimista com o clima. “Os animais estão bem alimentados com as forragens [ração produzida com a agricultura biossalina], mas à medida que colhemos, já damos a eles. Estou usando a produção agora, mas acredito que seja necessário comprar ração quando não for mais possível plantar. Já estamos entrando em abril, quando termina o período das chuvas por aqui. E acho que só o ano que vem chove agora”, explica.
O pesquisador alerta que a tecnologia deve ser usada de forma estratégica, apenas no período da seca. “Esse processo tem que ser feito de forma racional, levando em conta a vazão do poço e a exigência hídrica de cada cultura ou vai esgotar do mesmo jeito”, afirma.
Edição: José Romildo
Todo o conteúdo deste site está publicado sob a Licença Creative Commons Atribuição 3.0 Brasil. Para reproduzir as matérias é necessário apenas dar crédito à Agência Brasil
Estiagem na região do Semiárido é a pior dos últimos 50 anos