Luciano Nascimento
Repórter da Agência Brasil
Brasília – O coordenador da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), desembargador Antonio Malheiros, criticou os que defendem a internação compulsória para tratamento de viciados em drogas, especialmente o crack. Para o desembargador, iniciativas como a dos governos de São Paulo e do Rio de Janeiro não surtem efeitos e servem como medidas “higienistas”: apenas tiram das ruas as pessoas sem apresentar uma solução efetiva. “Não é para esconder o problema como o estado de São Paulo fez”, criticou.
O magistrado, que coordena o Centro de Referência em Álcool, Tabaco e outras Drogas (Cratod), um centro de atendimento a crianças e adolescentes usuários de drogas na região conhecida como Cracolândia, defendeu o tratamento em meio aberto como medida mais eficaz. “O tratamento em meio aberto é muito melhor e a recuperação se mostra muito mais plausível. Nós temos que aumentar o número de vagas, o número de CAPs [centros de Apoio Psicossocial] para tratamento ambulatorial em meio aberto.”
O trabalho é considerado pioneiro por levar ações de Justiça diretamente aos usuários de drogas com o apoio de uma equipe especializada formada por psiquiatra, psicólogos e assistentes sociais. “É o Judiciário que sai dos seus gabinetes e vai para as ruas encontrar as pessoas em drogadição. Há todo um convencimento para que elas busquem um tratamento de forma voluntária,” disse Malheiros.
Segundo o desembargador, só na região da Cracolândia, área central da cidade, estima-se que até 400 crianças estejam envolvidas com drogas, principalmente crack. Ele disse que foi conhecer de perto os casos encaminhados ao Judiciário. “Fui conhecer a situação para saber o que é este maldito crack e o quanto ele é devastador. Eu vivi intensamente, às vezes pela manhã, à tarde, à noite e, muitas vezes, de madrugada, para saber quem é o usuário da droga. Ela ultrapassa qualquer fronteira e submete a pessoa a uma tragédia.”
Para Malheiros, a internação compulsória (por determinação do juiz e contra a vontade do paciente) acaba gerando um ciclo perpétuo de internação e recaída e só deve ser usada como último recurso. "Só com evidência de risco em relação à vida do dependente ou de outra pessoa", ressaltou.
De acordo com o magistrado, em geral, as famílias vem pedir a internação involuntária (a pedido dos parentes), mas com o convencimento da equipe, os paciente acabam aderindo voluntariamente. “O tratamento voluntário tem maior chance de ser efetivo, pois a pessoa está empenhada. Internação compulsória, só uma vez na vida e outra na morte”, conclui.
O magistrado também se posicionou contra o Projeto de Lei (PL) 7.663, que altera a legislação do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sinad). Segundo Malheiros, o PL trata do uso da internação compulsória e estabelece penas mais severa para o tráfico sem diferenciar o usuário do traficante. “Sou radicalmente contra essa visão do projeto, que acaba tratando as pessoas como criminosas, e não como caso de saúde. É preciso ter toda uma movimentação em prol dessas pessoas e, paralelamente, combater com rigor e inteligência o tráfico”, defendeu.
Malheiros falou nesta hoje (9) para uma plateia de 55 juízes dos estados do Paraná e Piauí, recém-empossados, que participaram de um curso de formação na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados Ministro Sálvio de Figueiredo (Enfam). Aos novos magistrados, ele aconselhou que conheçam mais de perto a realidade para fazer justiça com mais humanidade. “A minha grande provocação é tirar os juízes dos gabinetes. Sai, vai para a rua, vai sentir o drama, colocar o pé na lama... Do contrário, o juiz acaba se resumindo a um tecnocrata", completou.
Edição: Nádia Franco
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