Vitor Abdala
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro – A cena é conhecida dos brasileiros. De tempos em tempos, o mar fica agitado e fortes ondas atingem a costa brasileira. Junto com a elevação das marés, essas ondulações invadem as praias e quebram bem próximas das ruas e de construções localizadas na orla.
Quando as ondas e a maré recuam, boa parte da areia que compõe essas praias é levada para o fundo do mar (ou para outros pontos do litoral), ameaçando a integridade dos calçadões, ruas e casas litorâneas pelo Brasil afora. O fenômeno é conhecido como erosão marinha e afeta muitos pontos do litoral brasileiro.
Desde 2010, o Ministério da Integração Nacional reconheceu situação de emergência em 18 municípios brasileiros por causa da erosão marinha. Apenas neste ano, foram três municípios: Caucaia (CE), Jaboatão dos Guararapes (PE) e Pirambu (SE).
O caso mais recente desse fenômeno é o município de Caucaia, vizinho à capital cearense Fortaleza, e conhecido por praias como Cumbuco e Tabuba. Já há alguns anos assolada pela erosão de suas praias, a cidade foi atingida por fortes ressacas no início de março e teve situação de emergência decretada pelo Ministério da Integração Nacional no último dia 4.
Uma maré alta aliada a um swell (ondas que viajam milhares de quilômetros pelos oceanos) castigaram o município, fazendo com que as águas do mar invadissem condomínios localizados na orla. O efeito mais grave foi a destruição de parte de um muro de contenção de 1.400 metros, construído há cerca de três anos justamente para proteger a cidade da erosão.
O muro, que fica na praia de Icaraí, já havia sido parcialmente destruído em maio do ano passado. “Além de reconstruir o muro, pretendemos expandi-lo por cerca de 1 quilômetro para o lado de Iparana (leste) e Tabuba-Cumbuco (oeste). Há ameaças para as casas e condomínios e para nossas praias, que são belezas naturais e patrimônio inestimável”, disse o vice-prefeito de Caucaia, Paulo Guerra.
Outros municípios cearenses sofrem a ameaça constante de erosão de suas costas, entre eles Beberibe, onde ficam as famosas falésias multicoloridas de Morro Branco, e Aracati, onde fica a vila de Canoa Quebrada.
Natal, capital do vizinho Rio Grande do Norte, também decretou, no final de março, situação de emergência na orla da praia de Ponta Negra, devido à erosão. O problema já vem afetando o local há algum tempo. O Ministério da Integração Nacional chegou a decretar estado de calamidade pública no ano passado.
Outro estado nordestino, Pernambuco, também sofre com a erosão marinha. Os efeitos são sentidos principalmente nos quatro municípios litorâneos da região metropolitana do Recife: a capital e as cidades de Jaboatão dos Guararapes, Olinda e Paulista.
O oceanógrafo Pedro Pereira, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), explica que a erosão marinha é um processo natural. O problema é quando há ocupação e intervenção humanas do litoral. Urbanização de faixas de areia, construção de píeres e quebra-mares sem critérios técnicos e intervenções em cursos de rios contribuem para piorar a erosão na área do Recife e em vários pontos do país.
“Os sedimentos da praia são móveis, ficam toda hora mudando de lugar. Ora fica dentro da água, ora fica fora. Mesmo quando vem um swell forte, a praia perde areia, mas depois recupera. Quando você ocupa essa área, quebra essa mudança de sedimentos. O sedimento deveria estar livre, se movimentando de acordo com as marés e as ondas. No momento que a gente constrói, a gente quebra essa balança natural”, explicou Pereira.
A ocupação de áreas sujeitas a erosão também põe em risco vidas e patrimônio humano. “A erosão é um processo natural. Ela vira um problema quando [oferece risco ao] patrimônio público e privado. Se não há nenhuma construção, o homem não sente o impacto”.
Segundo o pesquisador, no Rio Grande do Sul, por exemplo, há um lugar onde não há nenhuma construção, com exceção de um farol. Esse farol já caiu em 1993 e um novo está prestes a cair, por causa da erosão. “A erosão tem quase 30 quilômetros de extensão. Só que não é vista como um problema, porque a área não é ocupada. A erosão só é notada onde existe benfeitoria”.
Um estudo de 2006 do Ministério do Meio Ambiente mostra que os 17 estados litorâneos do Brasil sofrem com erosão em algum grau. O pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Dieter Muehe, especialista em geomorfologia, estima que cerca de 40% do litoral do país sofram erosão.
No próprio Rio de Janeiro, por exemplo, Muehe cita a localidade de Atafona, no município de São João da Barra, que vem sofrendo bastante com o avanço do mar. Várias casas e até prédios foram destruídos pela erosão.
Segundo ele, no futuro, com as mudanças climáticas e a elevação do nível dos oceanos, os moradores do litoral enfrentarão mais problemas com a erosão marinha. “O aumento do nível do mar vai provocar um ajuste da linha de costa. De um modo grosseiro, se o nível do mar subir um metro, a linha de costa tende a recuar 50 metros. A linha de costa é uma linha instável. O mais certo é manter uma faixa de segurança, de não edificação”, disse Muehe.
Edição: Tereza Barbosa
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