Cristina Indio do Brasil
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro – A procura pelos cursos de teatro vem aumentando na capital fluminense. O valor das mensalidades nas escolas particulares, no entanto, dificulta o acesso de alunos de comunidades pobres. Por isso, a Escola Técnica de Teatro Martins Pena, no centro da cidade, é referência para quem deseja fazer teatro e não tem condições de arcar com as despesas do curso. Atualmente a escola pública, fundada em 1908, faz parte da rede da Fundação de Apoio a Escola Técnica (Faetec) da Secretaria de Ciência e Tecnologia. Dificuldades financeiras chegaram ameaçar a Martins Pena de ser fechada.
"Quando eu estava aqui na escola, os professores que não tinham contrato estavam sendo mandados embora sem aproveitamento. Os alunos fizeram manifestações para salvar a escola e, quando a gente estava saindo, ela foi transferida para a Faetec. Isso foi marcante", disse Rômulo Rodrigues, dono de uma produtora cultural e da Companhia Escaramucha de Teatro.
Na mesma turma também estava Renata Tavares, que além de dar aulas de teatro em um projeto social na Comunidade da Maré, está se preparando para participar de uma temporada teatral em São Paulo. Na terça-feira (26) os dois estiveram na escola a fim de fazer uma palestra para os novos alunos. "Nossos destinos continuam juntos. Fizemos a palestra e agora estamos aqui juntos dando a entrevista", disse. "Nós nos formamos em 2008, marcando o centenário da escola. Foi muito chique", completou Renata, lembrando que a turma tem costume de se reunir até hoje.
O diretor da Martins Pena, Roberto Lima, declarou que este é um ano muito emocionante para a escola, que completa cem anos da primeira formatura. "Estamos vivendo um ano muito especial e emocionante, com várias atividades na escola exaltando este século de formatura. É uma escola que tem muitas histórias marcantes para contar", disse. Pela Martins Pena passaram grandes estrêlas da dramaturgia brasileira, como Procópio Ferreira, Teresa Raquel, Joana Fomm e Alexandra Richter.
Frederico Bilieri, de 29 anos, é aluno da quarta etapa e deve se formar no fim do ano, na quinta etapa destinada à encenação de uma peça. Ele se sente honrado de estudar na mesma escola onde passaram tantos destaques da cultura brasileira. "Isso é uma honra, até porque temos a tradição de falar na escola, que todos que passam por aqui são filhos da Martins. Então posso dizer que Procópio é meu irmão. É uma honra". Mas, entre os ex-alunos da escola não estão apenas atores. O diretor Roberto Lima destacou que hoje profisisonais formados pela Martins Pena atuam também em outras atividades do meio artístico. "Hoje temos muita gente boa no mercado. Um exemplo é a Fernanda Montovani, que é um destaque como iluminadora de espetáculos. Outro, é o diretor e documentarista Marcus Vinícius Faustini", disse.
A escola acompanha os movimentos do meio artístico e do mercado. O interesse pelos cursos de formação de atores vem aumentando, e os números são significativos. Segundo Roberto Lima, na última seleção de alunos, em dezembro de 2012, houve 1.200 inscrições para concorrer a apenas 30 vagas, 15 em cada turno (manhã e noite). No semestre anterior, foram 840 inscrições para o mesmo número de vagas. O interesse é tanto que vem gente de outros estados e até de fora do país. "Vem alunos do Brasil inteiro, inclusive do exterior, de países como a Argentina, o Paraguai, Uruguai e a Colômbia. São pessoas que têm a Martins Pena como referência de escola de teatro", declarou Lima.
Essa procura pelos cursos da Martins Pena é destacada por Marcos Aires. Ele tem 22 anos, mora em Campo Grande, zona oeste do Rio. Ele faz a terceira etapa do curso de atores e, para conseguir uma vaga na escola, fez várias tentativas. "É muito concorrido. A prova disso é que a cada ano aumenta o número de candidatos. Eu tentei de primeira, não passei. Tentei de segunda, não passei. Na terceira, eu disse: se não for dessa vez não faço mais, mas aí eu consegui", disse. “É muito importante você dizer que veio de uma escola centenária, que tem um peso, que já deu milhões de artistas para o país", completou.
Para o presidente do Sindicado dos Atores do Rio de Janeiro, Jorge Coutinho, é natural que a cidade receba muitos candidatos. "Aqui é vitrine, é o glamour. Aqui tem a TV Globo, a Record. Então todo mundo quer vir para cá", declarou. Ele, no entanto, chama atenção para a necessidade do candidato ter noção das dificuldades que pode enfrentar ao se mudar para o Rio. "É um risco para as pessoas que vêm com suas bagagens tentar a sorte. Têm que pensar muito na escola que vão fazer. Têm que pensar na essência que é o teatro e perder um pouco desse glamour da televisão. As pessoas vêm com essa ideia de que vão fazer televisão e vão atingir a fama. Às vezes, ficam até 15 pessoas morando em um apartamento de sala quarto no Rio pensando em fazer um teste para novela. Não adianta pensar que tudo está no Rio", alertou.
Para alguns alunos que não têm condições de pagar uma escola particular, a Martins Pena é uma oportunidade de realizar um sonho. Dayse Margarida sempre estudou em escolas públicas e em todas conseguiu desenvolver projetos artísticos.
"Não sei se em nível de destino, mas eu sempre topei nessas escolas com projetos que me levavam para trabalhos de arte. Quando eu tinha sete anos participei na escola Rubens Berardo, em Inhaúma, do projeto Terceiro Atelier do Artista. Era um evento extenso que se preocupava com a pré produção, com a produção e a pós produção. Na pós produção, o aluno tinha que fazer um desenho sobre a experiência e ai eu fiz um desenho em 99. Em 2000 recebi a notícia que meu desenho tinha sido premiado pela Unesco para ser tema da campanha da Fraternidade de 2000. Foi uma coisa que jamais poderia esperar por que eu desenhava muito mal. E foi aí que eu disse: quero isso. Como uma coisa tão pessoal pode ter se transformado em um tema mundial? , lembrou a estudante de 20 anos.
O diretor de novelas da TV Globo, Wolf Maia, que tem uma escola de formação de atores em São Paulo e está inaugurando em abril outra unidade, dessa vez na Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio de Janeiro, disse que antes de tudo o candidato tem que pensar no que pretende para a vida e se tem mesmo vocação para a carreira artística. E mandou um recado: " Esteja você onde estiver. Se isso é de verdade dentro de você. Se você se sente como uma pessoa com sensibilidade especial. Se você é disponível na sua sensibilidade, na sua inteligência e no seu corpo para transmitir para todos os seres humanos. Se essa comunicação interessa a você e você tem aptidão para isso e não é só vaidade.Não é só vontade de ficar famoso.Procure encontrar este caminho", sugeriu o diretor.
Edição: Aécio Amado
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