Monica Yanakiew
Correspondente da Agência Brasil/EBC
Buenos Aires – Jorge Mario Bergoglio teve uma namorada na adolescência, lutou contra um problema de saúde na juventude e sentiu “pudor e vergonha” quando foi cotado para suceder João Paulo II, em 2005. Alguns fatos importantes da vida do cardeal argentino, agora papa Francisco, foram revelados à Agência Brasil pela jornalista Francesca Ambrogetti, coautora do livro O Jesuíta, que traz a biografia do cardeal argentino.
No livro, publicado em 2010, o papa conta que decidiu ingressar na vida religiosa aos 18 anos. “Ele ia para um piquenique com amigos. No caminho, passou por uma igreja para se confessar e disse que naquele momento se sentiu iluminado e soube que tinha que ser padre”, disse a biógrafa.
Depois da insistência dos autores, também falou sobre a namorada na adolescência e que começou a trabalhar aos 13 anos como contínuo no escritório de um amigo do pai. “Não queria falar sobre ela no livro porque achava que não tinha o direito de envolvê-la. Mas conseguimos convencê-lo a contar algumas coisas. Pelo visto, ela não ficou chateada. Agora que ele foi eleito papa, ela [Amália] deu várias entrevistas, contando da carta de amor que recebeu dele quando eram adolescentes”.
Segundo a jornalista, Bergoglio relatou quando perdeu, ainda jovem, parte de um pulmão. “Encontraram cistos no pulmão dele e tiveram que cortar o pedaço afetado. Ele disse que nunca sentiu tanta dor e que durante dias batalhou entre a vida e a morte. O que ele não aguentava, confessou, era ouvir as pessoas tentando consolar com aquelas frases de sempre: 'Não se preocupe, vai ficar tudo bem'. Dizem que ele só tem um pulmão. Não é verdade. Ele só perdeu o pedaço de um”.
Ele revelou ainda o que sentiu ao ser cotado a sucessor de João Paulo II, no conclave de 2005. Na época, o escolhido foi Bento XVI. “Bergoglio não podia responder, porque os cardeais estão proibidos de contar o que ocorre dentro de um conclave. Na época, os jornais diziam que ele era o candidato dos moderados e que estaria entre os mais votados. Então perguntamos: 'O que foi que o senhor sentiu quando viu que a imprensa citava seu nome como um dos favoritos?'. Ele respondeu: 'Senti pudor e vergonha'”, disse Francesca à Agência Brasil.
Porém, a eleição de Bergoglio para papa divide opiniões na Argentina. Organismos de direitos humanos o acusam de omissão durante a ditadura militar, principalmente no sequestro dos jesuítas Orlando Yorio e Francisco Jalics, em 1976 pelos militares. Os dois foram soltos cinco meses depois. Yorio (que morreu de infarto no ano 2000) e seus irmãos responsabilizam Bergoglio. Yalics, que desde 1978 vive na Alemanha, divulgou comunicado ontem (15) em que disse “estar em paz” com o papa Francisco.
Na biografia, o cardeal argentino revela sua versão dos fatos. “Ele contou que os dois padres faziam trabalhos sociais nos bairros carentes e, na época, tinham pedido para formar uma nova congregação, algo que a Ordem dos Jesuítas não podia permitir. Mas sabendo que os sacerdotes estavam correndo perigo de vida, Bergoglio ofereceu hospedá-los. Eles não quiseram”, disse Francesca. Quando soube que os jesuítas haviam sido sequestrados, Bergoglio diz que intercedeu pessoalmente com o general Jorge Videla e o almirante Emilio Massera, da Junta Militar. No livro, diz que “fez o que pode”, levando em consideração a idade e os contatos que tinha na época.
Na quinta-feira (14), grupo de militares acusados de tortura e assassinato na década de 70 compareceram ao tribunal usando fitinhas com as cores do Vaticano na lapela, em alusão à eleição do papa. O ato contribuiu para a aumentar a polêmica.
Com a revogação de indultos concedidos em 1989 e 1990, centenas de processos contra os repressores da ditadura foram reabertos. Bergoglio foi convocado como testemunha no julgamento dos responsáveis pelos crimes dentro da Escola Mecânica da Armada (Esma), centro clandestino de tortura. “Quando foram libertados, os sacerdotes Yorio e Jalics contaram que muitos outros continuavam sequestrados na Esma. A pergunta lógica era: o que ele [Bergoglio] fez, tendo em vista que era uma das pessoas mais importantes na Igreja argentina. E ele respondeu: ‘nada’, ou seja, sabia que havia prisioneiros na Esma, sabia em que condições estavam e nada fez”, disse Myriam Bergman, uma advogada das vítimas.
Personalidades vinculadas aos direitos humanos na Argentina – como o Prêmio Nobel da Paz, Adolfo Perez Esquivel, e a ativista Graciela Fernandez Meijide (mãe de um desaparecido na ditadura e uma das encarregadas de investigar as denúncias de crimes cometidos na ditadura argentina) - saíram em defesa do papa. “Trabalhei durante muitos anos na Assembleia Permanente pelos Direitos Humanos, onde recebíamos muitos depoimentos e posso dar fé que nunca, jamais, alguém mencionou Jorge Bergoglio em relação à ditadura”, disse Graciela.
Edição: Carolina Pimentel
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