Paulo Virgilio
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro - Um dos maiores patrimônios culturais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a biblioteca da Escola de Belas Artes (EBA) conserva um rico acervo de obras raras, constituído, em grande parte, pelos livros que chegaram ao Brasil pelas mãos da Missão Artística Francesa, trazida pelo rei dom João VI. Ao todo, são consideradas raridades cerca de 800 livros, dos mais de 30 mil títulos existentes na biblioteca, a mais antiga da universidade.
Em fevereiro de 2006, a biblioteca da EBA foi alvo de furto que resultou em um processo que ainda hoje tramita na 4ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro. Duas mulheres, que se identificaram como pesquisadoras, compareceram três vezes à biblioteca para consultar as obras raras e, na última visita, saíram levando o livro Ornithologie Brésilienne, Histoire des Oiseaux du Brésil, de Descourtilz, datado de 1852.
“O furto ocorreu na véspera do carnaval. Eu me lembro que uma das duas mulheres estava grávida”, conta a professora Ângela Luz, na época diretora da Escola de Belas Artes. “As duas preencheram as fichas, como faz qualquer visitante, fizeram sucessivas consultas e foram, aos poucos, ganhando a confiança das bibliotecárias”, recorda Ângela.
“No último dia, uma delas se levantou, dizendo que ia ao banheiro e a outra continuou pesquisando os livros, mas, depois, foi embora. A bibliotecária estranhou e foi até à mesa, constatando que elas tinham deixado alguns objetos pessoais, como uma caixa de óculos sobre a mesa. E, ao recolhermos os livros, vimos que da obra rara sobre os pássaros só havia a capa dura. O miolo do livro tinha sido retirado e, em seu lugar, foi colocado um atlas antigo, do mesmo tamanho”, relata a então diretora da faculdade, que imediatamente comunicou o fato à Polícia Federal.
“Envolvemos os objetos pessoais que elas deixaram em um plástico bolha. Esse material foi entregue à polícia”, conta Ângela Luz, para quem as impressões digitais deixadas nos objetos ajudaram na identificação das autoras do furto.
O livro foi encontrado em 2007, em São Paulo, pela Polícia Federal, que estava investigando outros furtos de obras raras cometidos pelo mesmo grupo. No meio de vários livros furtados de outras instituições, estava o miolo de Histoire des Oiseaux du Brésil. No dia 27 de outubro daquele ano, a professora Ângela Luz viajou até a capital paulista para identificar e trazer de volta a obra.
O episódio obrigou a Escola de Belas Artes, assim como outras unidades da UFRJ, a reforçarem o sistema de segurança de suas bibliotecas. Além da vigilância das câmeras, a consulta às obras raras exige o preenchimento de uma ficha informando a razão e uma carta de encaminhamento da direção da escola. As obras são ainda protegidas por uma etiqueta antifurto e por alarme.
O caso resultou em denúncia do Ministério Público Federal (MPF), encaminhada à Justiça Federal. As investigações levaram aos nomes das supostas autoras do furto – Iwaloo Cristina Santana Sakamoto e Verônica da Silva Santos - e também ao de Laéssio Rodrigues de Oliveira que, segundo o MPF, já esteve envolvido em diversos furtos em museus e bibliotecas.
De acordo com a denúncia do MPF, Laéssio integra, juntamente com Iwaloo, Edina Raquel de Souza Cordeiro, Marcos Pereira Machado e Ricardo Pereira Machado, um grupo especializado em furtar e vender obras raras de acervos de museus e fundações públicas. Outra denúncia tramita contra o grupo na 4ª Vara Federal Criminal do Rio, sob a responsabilidade do procurador Carlos Alberto Aguiar.
Estudante de biblioteconomia, Laéssio, apontado como o líder do grupo, foi preso pela Polícia Federal em outubro de 2006, juntamente com Iwaloo, Edina Raquel e Marcos Pereira Machado. Segundo a investigação policial, o grupo planejava furtar peças raras da Fundação Casa de Ruy Barbosa, em Botafogo, na zona sul do Rio.
No dia 2 de janeiro, a Agência Brasil publicou reportagem sobre a denúncia do MPF, encaminhada à 4ª Vara Criminal Federal do Rio, a respeito do furto na Escola de Belas Artes. A denúncia, a cargo do procurador José Guilherme Ferraz, faz menção a uma cópia do documento de controle de entrada de leitores da Biblioteca Nacional, onde as duas supostas autoras do furto estiveram, com seus nomes verdadeiros, na véspera de sua primeira visita à biblioteca da Escola de Belas Artes.
Procurada agora pela Agência Brasil, Iwaloo Cristina Sakamoto alega que foi acusada de um ato que não cometeu. Ao depor na polícia, ela também negou estar envolvida no furto ocorrido na biblioteca da EBA. Em função do episódio da Casa de Ruy Barbosa, Iwaloo ficou detida por quatro meses.
“Eu não estou envolvida. Isso aí está no ano de 2006. Pra te falar a verdade, eu nem me lembro se estive mesmo no Rio em 2006. Agora, eu não estou envolvida. Eu nunca fui a essa faculdade. Eu nem sei onde ela fica”, disse Iwaloo que, no entanto, admitiu ter ido à Biblioteca Nacional. “Se eu estive na Biblioteca Nacional foi em caráter de passeio, de turismo no Rio de Janeiro, nada mais além disso”, acrescentou.
Iwaloo Sakamoto atribuiu o fato de ter sido acusada do furto à relação de amizade que mantém com Laéssio Rodrigues de Oliveira. “Pelo fato de eu ter amizade com o Laéssio, não significa que eu participe das mesmas coisas que ele. Aliás, fui presa por causa disso, por minha amizade com ele.”
Depois de quatro meses na Penitenciária Bangu 7, Iwaloo, que estava grávida, ganhou a liberdade cinco dias antes de seu filho nascer. Desde então, responde em liberdade ao processo que corre sobre o furto na Casa de Ruy Barbosa, caso em que ela também alega inocência.
“Na Fundação Rui Barbosa, eu não roubei nada lá, entendeu? Simplesmente foi feito um favor para um amigo do Laéssio. Eu só fui lá para verificar, mas nada além disso. Eu não levei nada, eles não têm como provar, porque eu realmente não fiz nada. Eles estão me indiciando. Dizem que este mercado [furto de obras raras] é o quarto maior de coisas ilícitas, mas eu moro de aluguel, eu estou grávida e meu filho não tem nenhum enxoval. Eu não tenho dinheiro e não tenho como, você me entende? Eu só estou gastando dinheiro com advogado. Se eu tivesse ganho algum tipo de lucro, eu não tive lucro nenhum. Só prejuízo”, relatou a acusada.
Por intermédio da assessoria de comunicação do MPF no Rio, o procurador José Guilherme Ferraz disse que, no momento, não tem mais nada a informar sobre a denúncia enviada à Justiça Federal, além do que já disse no início de janeiro. Se for condenada na Ação Penal 0812174-92/2007, que tramita na 4ª Vara Federal Criminal do Rio, Iwaloo Cristina Sakamoto pode pegar de dois a oito anos de prisão.
Edição: Lana Cristina
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