Gilberto Costa
Correspondente da EBC
Lisboa – Uma volta no tradicional Mercado da Ribeira dá ideia do clima de pessimismo que predomina entre os portugueses em meio à recessão econômica. “Estamos a perder tudo. As pessoas estão ficando mais pobres e, se ganham menos, como é que vão pagar as contas e fazer compras?”, pergunta a feirante Lídia Pedro Lourenço que há 50 anos (desde menina) trabalha no local e diz não se recordar de uma crise tão severa no país.
Em um corredor do mercado em que vende no varejo, Filomena de Moreira concorda com a colega e reclama que o movimento diminuiu, apesar de os preços das mercadorias não aumentarem. “Aqui o que se aumenta são os impostos e o gasto para trazer os produtos”, queixa-se. A mesma opinião tem Carlos Figueiredo, dono de uma barraca no mercado há 14 anos: “não há nada sendo feito para desenvolver o país.” Para ele, Portugal não soube aproveitar os anos de bonança após a entrada do país na União Europeia (1986). “Fizemos muita obra, mas não investimos em coisas que aumentam a produção. Essa recessão é uma espiral”, diz Figueiredo, que não vê solução.
Para o cientista político português André Freire, autor do livro Crônicas Políticas Heterodoxas, a sensação de falta de perspectiva com o destino econômico de Portugal “tende a crescer na população, pois já se espera que as coisas corram mal”. Freire refere-se ao aumento de impostos recolhidos na fonte (que será notado nos pagamentos de salários no fim deste mês) e à diminuição dos gastos sociais, prevista entre as medidas que o governo estuda, com apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI), para economizar mais 4 bilhões de euros neste ano e no próximo.
Os cortes deverão ser anunciados em fevereiro, agravando a recessão e o pessimismo dos portugueses, que começam a acompanhar pelos jornais e pela televisão movimentos políticos em favor da antecipação das eleições parlamentares, previstas para outubro de 2015. Na prática, isso precipita o fim do governo do primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, do Partido Social Democrata.
O secretário-geral do Partido Socialista (PS), atualmente na oposição, deputado António José Seguro, observa que Pedro Passos Coelho “ainda é primeiro-ministro de Portugal, mas é cada vez menos primeiro-ministro dos portugueses”, pois “não tem legitimidade política, nem mandato para implementar as medidas do FMI.” Seguro fez a declaração hoje (18), durante debate entre governo e oposição na Assembleia da República, na sessão que antecedeu a votação de projeto de resolução sobre a criação de uma comissão para a reforma do Estado.
O primeiro-ministro estava presente e garantiu que cumprirá o mandato. Passos Coelho criticou a oposição, “porque fala em eleições todos os dias”. Segundo ele, o PS (que o antecedeu) “chora lágrimas de crocodilo” e tem responsabilidade sobre a crise econômica. “Durante muitos anos, alguém quis que o Estado gastasse mais para que alguém pagasse no futuro. Estamos a pagar, mesmo que tenhamos perda de receita”, defendeu-se o primeiro-ministro.
Para o cientista político André Freire, a possibilidade de eleições antecipadas em Portugal só crescerá se houver efetivo projeto de governo alternativo articulado por novas alianças políticas. A questão é saber “quem vai dar corpo à mudança”, diz Freire, ao lembrar que o PS estava no poder quando Portugal assinou o programa de ajustamento econômico para ajuda financeira do FMI, a Comunidade Europeia e o Banco Central Europeu.
Enquanto os políticos se enfrentam, os indicadores econômicos do país pioram. Segundo o Boletim Econômico do Banco de Portugal (Banco Central) publicado nesta semana, “as projeções apontam para uma contração de 1,9% por cento do PIB [Produto Interno Bruto] em 2013”; após queda de 3% em 2012.
Edição: Nádia Franco
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