Isabela Vieira
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro - Confinados em um casarão de dois andares, 18 índios de várias etnias, incluindo idosos e crianças com deficiência física ou transtornos mentais, são mantidos sem tratamento adequado na Casa do Índio do Rio de Janeiro (Casai-RJ). A constatação é do Ministério Público Federal (MPF) no Rio, que move uma ação civil pública contra a União e a Fundação Nacional do Índio (Funai) cobrando ampla reestruturação da unidade.
A Casai foi criada em 1968 para abrigar índios que necessitavam de tratamento na cidade ou não podiam se manter por conta própria nas aldeias. Na década de 1990, os indígenas eram encaminhados ao local pela recém-criada Fundação Nacional do Índio (Funai), mantenedora do estabelecimento até 1999, quando a responsabilidade passou para a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), substituída, em 2010, pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Atualmente, com internos de 9 a 90 anos, o local sobrevive de doações e é considerado abandonado pelo MPF.
De acordo com ação movida pela procuradora Maria Cristina Manella, que investiga o caso, relatórios das secretarias Estadual e Municipal de Saúde atestam que o local “funciona como um centro asilar, sem tratamento continuado adequado às necessidades terapêuticas dos índios”, embora conte com a solidariedade da sociedade e dos funcionários, que mantêm o local limpo, organizado e os doentes aparentemente bem tratados.
Os internos são tratados pela rede pública de saúde no Rio. Eles são levados para hospitais no carro da administradora da Casai, Eunice Caryri, mas não têm uma rotina de atividades terapêuticas. Aqueles que não estão acamados ouvem música, assistem televisão, pintam ou se distraem com os 13 cachorros criados pela instituição. Alguns vão e vêm das aldeias no período de fim de ano, para as festas de Natal, quando parentes aparecem para buscá-los.
De visita, o pai de um jovem índio conta que conheceu a casa por meio de relatos na aldeia. Ele acredita que a unidade é um local seguro e limpo para manter o filho. “Como a gente trabalha longe, tem festa, ele fica sozinho, sem ninguém para cuidar”, disse o cacique Jairo Kuikuro, que visita o filho a cada três anos. Segundo ele, a próxima viagem ao Rio está agendada para 2015. Quem paga as passagens do Parque Indígena do Xingu (MT) para a capital fluminense é o Ministério da Saúde.
As crianças internas tampouco têm atenção específica. Muitos estão acamados. Apenas dois frequentam salas de aula e têm bolsa na escola da Associação Cristãs de Moços (ACM). O menor, de 9 anos, já repetiu três vezes a mesma série e a direção avalia que ele “tem algum transtorno não identificado”. “Não sabemos bem o que tem”, diz Eunice Caryri.
Ela conta que o Ministério da Saúde, responsável pela saúde indígena em todo o país, com extinção da Funasa, paga as contas de luz e de água da instituição, além do salário de dez funcionários. Entre eles, uma índia guarani que nasceu na própria casa, logo depois que a mãe, com transtornos mentais, chegou grávida há 21 anos. Sem contato nenhum com a família, de uma aldeia no Paraná, a jovem vive na unidade, que é a única casa que conhece.
“Precisamos de tudo. Esse ano não pude fazer intervenções de infraestrutura e estou recebendo até lâmpadas de doação. A Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena, do Ministério da Saúde] não tem dinheiro para nada”, criticou Eunice, que usa recursos da própria aposentadoria para custear os gastos no local.
Fundadora da casa, ela acompanha cada caso pessoalmente. Sabe o ano em que o índio chegou, quantas vezes voltou para aldeia e documenta tudo com vasto material fotográfico.
Procurado na segunda-feira (10), o Ministério da Saúde não respondeu à reportagem até ontem (14). A Funai se limitou a dizer que não foi intimada na ação.
Edição: Lílian Beraldo