Camila Maciel
Repórter da Agência Brasil
São Paulo – Em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, o Dia Internacional dos Direitos Humanos, celebrado hoje (10), ganhou um sentido prático para 60 adolescentes que cumprem medidas socioeducativas no município. Mais do que ouvir adultos falarem sobre seus direitos, eles colocaram a mão na massa e produziram uma revista em quadrinhos para dialogar diretamente com crianças e adolescentes sobre o tema. O resultado do trabalho foi lançado hoje pela Fundação Criança, órgão municipal responsável pela política da infância, e será distribuída em todas as escolas públicas do município.
Pedro Silva*, de 16 anos, participou, junto com os colegas, de oficinas sobre desenho e direitos humanos durante seis meses. “Já sabia desenhar e agora aprendi mais ainda”, disse. Ele está feliz pela publicação e espera que a cartilha possa ajudar outros adolescentes a conhecerem seus direitos. “Muita coisa eu só fiquei sabendo na fundação. A gente passa por tanta coisa na rua, porque não sabe o direito que tem”, declarou. Dentre os assuntos que mais interessaram Pedro na construção da cartilha, ele cita o direito de ir e vir e o de não ser agredido.
O promotor de Justiça da Infância, Wilson Tafner, aponta, ao analisar o perfil dos adolescentes em conflito com a lei, que a ausência de políticas públicas para a infância tem relação direta com a incidência das infrações. “Cerca de 15 bairros de São Paulo, dos mais de 100 que o município tem, concentram a maior parte desses adolescentes. No geral, são regiões bem afastadas do centro e com baixo IDH [Índice de Desenvolvimento Humano]. Extremo sul, leste e parte da zona norte”, disse.
Tafner destaca que muitas vezes o Estado só chega a essas famílias quando as infrações são cometidas pelos jovens. O promotor atuou no início dos anos 2000 no enfrentamento à violações sofridas na antiga Fundação do Bem-Estar do Menor (Febem). Na época, até mesmo casos de tortura foram identificados.
Para o presidente da Fundação Criança, Ariel de Castro Alves, o trabalho por meio da arte ajuda a envolver os adolescentes em atividades positivas. “O nosso trabalho é criar um novo projeto de vida para esses jovens, no qual eles possam estar engajados na cidadania”, explicou. Ele acredita que a produção da cartilha, por exemplo, potencializa talentos e torna os adolescentes protagonistas de um trabalho do qual eles se orgulham. “Se o Estado excluir, o crime vai incluir”, declarou.
A coordenadora do Centro de Atendimento de Medidas Socioeducativas da fundação, Maria Lúcia de Lucena, acredita que essas ações ajudam a diminuir o estigma ao qual os adolescentes estão submetidos, tendo em vista que colocam em diálogo jovens de universos diferentes. “Quem receber o material vai saber que ele teve a participação de jovens que cumprem medida de liberdade assistida e de prestação de serviços comunitários. Isso faz com que eles estejam no mesmo patamar”, avaliou.
O estigma é uma das principais preocupações do adolescente de 14 anos Rodrigo Santos*. Ele construía a passos largos o sonho de ser jogador de futebol, quando o desejo de consumo o levou ao tráfico de drogas. “Jogava na seleção de base. Fui vender drogas para comprar uma corrente de prata que minha mãe não podia dar”, relembra. Ele tem receio de não poder voltar ao time. Após cumprir a medida, além de jogar futebol, ele quer voltar a dar orgulho a sua mãe. “Ela ainda vai se orgulhar muito de mim. Se não for como jogador de futebol, vai ser como engenheiro”, disse.
A revista em quadrinhos, que também ganhou uma versão em audiobook para pessoas com deficiência visual, aborda temas como o contexto histórico do surgimento da Declaração Universal dos Direitos Fundamentais do Homem, lançada no pós-guerra em 1948, e a formulação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, após a promulgação da Constituição.
*Os nomes verdadeiros dos adolescentes foram preservados em atendimento ao Estatuto da Criança e do Adolescente.
Edição: Aécio Amado