Brasília - No dia 27 de agosto deste ano, o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT) completou 50 anos. Na ocasião, representantes de várias organizações da sociedade civil, ligadas à democratização da comunicação, reuniram-se em São Paulo para realizar o enterro simbólico do código. A data serviu também para que essas entidades dessem início à campanha Para Expressar A Liberdade, reivindicando um novo marco regulatório para o setor. A campanha, que foi lançada simultaneamente em várias capitais do país, reafirma a importância de uma consulta pública sobre o novo marco para contrabalançar a influência dos grandes grupos que atualmente dominam o setor.
De acordo com o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), que coordenou a preparação da plataforma da campanha, há pelo menos quatro razões que justificam o novo marco: 1) a ausência de pluralidade e diversidade na mídia atual, que esvazia a dimensão pública dos meios de comunicação e exige medidas afirmativas para ser contraposta; 2) a defasagem da legislação brasileira no setor das comunicações, que não está adequada aos padrões internacionais de liberdade de expressão e não contempla questões atuais, como as inovações tecnológicas e a convergência de mídias; 3) a fragmentação da legislação atual, que é composta por várias leis que não dialogam umas com as outras e não guardam coerência entre elas; 4) a carência da regulamentação da maioria dos artigos dedicados ao setor de comunicação (artigos 220, 221 e 223) da Constituição Federal de 1988, que deixa temas importantes como a restrição aos monopólios e oligopólios e a regionalização da produção sem nenhuma referência legal, mesmo após 23 anos de aprovação(1).
O FNDC argumenta que a ausência deste marco legal privilegia as poucas empresas que hoje são favorecidas pela concentração no setor. De acordo com a FNDC, esses grupos, muitas vezes, impedem a circulação das ideias e pontos de vista com os quais não concordam e barram o pleno exercício do direito à comunicação e da liberdade de expressão, prejudicando a democracia brasileira. Segundo especialistas no assunto, o CBT já nasceu favorecendo a esses grupos(2).
Em discurso proferido em junho deste ano, no 26º Congresso Brasileiro de Radiodifusão, organizado pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, chamou a atenção para os aspectos que mais preocupam o governo. Segundo ele, “a verdade é que existe hoje, no Brasil e em todo o mundo, um novo mercado que não pode mais ser chamado nem de radiodifusão nem de telecomunicação, mas de "comunicações eletrônicas". E essa realidade coloca as tradicionais empresas jornalísticas, bem como as emissoras de rádio e televisão, em competição cada vez mais direta com conglomerados de porte global como operadoras de telecomunicação, fabricantes de equipamentos e gigantes da internet. Nossa legislação, contudo, está muito aquém desse fenômeno relativamente novo.
Não é de se estranhar, portanto, que existam conflitos de ordem concorrencial e, ainda, jurídica entre as empresas do setor. Apenas para citar dois exemplos: A regra que obriga o controle de empresas jornalísticas por capital brasileiro vale para a Internet? As empresas que vendem conteúdos online ou em televisores conectados devem ser submetidas a regras semelhantes às da TV paga ou radiodifusão?
Mais do que essas dúvidas que já pairam sobre o setor nos dias de hoje, há questões estratégicas que precisam de resposta. O que deve ser feito para que o audiovisual brasileiro continue a ser produzido e veiculado em um mercado no qual a infraestrutura e os serviços estão em mãos de grandes empresas multinacionais? Como se pode garantir a livre circulação de conteúdos e a pluralidade de fontes de informação em um mercado que tende à concentração, como é o caso das telecomunicações ou dos gigantes da internet? Quais devem ser os mecanismos para que o Brasil continue a contar com um ambiente jurídico e normativo que permita, em longo prazo, que empresas continuem a prestar serviços gratuitos, como é o caso atual do rádio e da televisão? Com esse último item, o ministro se refere à migração das verbas publicitárias para os grandes grupos globais que detêm as redes sociais e as ferramentas de busca(3).
Em relação à concentração da radiodifusão nas mãos de poucos grupos nacionais, a única referência no discurso do ministro está em um trecho em que ele sinaliza os avanços do governo, apesar das falhas na legislação existente: “Por meio de decreto, inovamos as regras para licitação de rádio e televisão que, além de agilizar os processos, dificultam, em muito, a atuação de laranjas. Com isso, beneficiamos os empresários realmente dispostos a investir no setor e coibimos a participação de intermediários nas licitações”.
A Agência Brasil publicou em 2012 nove matérias sobre o CBT. O principal problema notado está nas fontes: a única matéria, na qual especialistas foram consultados, tratou sobre a edição do programa Ver TV onde o suposto estupro que aconteceu no reality show Big Brother Brasil foi discutido. Nas outras oito matérias, do total de 17 fontes consultadas, nenhum especialista foi ouvido para analisar o significado dos fatos. As fontes eram ou autoridades do governo federal (um total de oito, sendo elas o ministro das Comunicações ou a assessoria de imprensa do ministério, citados quatro vezes; deputados federais, citados três vezes; e o vice-presidente da República, citado uma vez) ou, ainda, profissionais da mídia (um total de nove, sendo oito deles ligados às mídias alternativas ou às organizações não governamentais que as representam).
Em relação ao decreto do governo para modernizar as regras de outorgas da radiodifusão, a informação aparece na matéria “Novas regras para autorizações de serviços de radiodifusão devem entrar em consulta pública” publicada em 06 de junho. Segundo o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, “a minuta está na Casa Civil e só falta decidir quem irá fazer a consulta pública”. O documento tem 180 artigos e muitos detalhes do ponto de vista jurídico. Além disso, Paulo Bernardo também afirmou estar unificando sete decretos em um único. “Então, com certeza precisaremos ter paciência e ouvir todo o mundo”(4).
Boa leitura!