Alana Gandra
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro - A presença de agentes armados com o objetivo de coibir qualquer tipo de descontrole por parte de pacientes doentes pelo uso do crack pode ser encarado, na área médica, como um desescalonamento da violência de pessoas acometidas de transtornos mentais e comportamentais. Na avaliação do psiquiatra Jorge Jaber, presidente da Associação Brasileira de Alcoolismo e Drogas (Abrad), a abordagem de dependentes químicos deve ser feita verbalmente e nunca por policiais de forma direta.
A Secretaria Nacional de Segurança Pública começou a encaminhar à polícia do Rio de Janeiro armamento de menor potencial ofensivo, como armas de choque elétrico e sprays de pimenta para apoio às ações de combate ao crack no estado.
Jorge Jaber defendeu hoje (14), em entrevista à Agência Brasil, que dependendo da população que vai ser abordada, as estratégias verbais de aproximação devem ser priorizadas e feitas de acordo com as características de cada grupo. Disse que não há problema na presença de agentes de segurança armados na porta de hospitais, por exemplo, mas condenou a atuação direta da polícia com esses pacientes. “No contato direto não acho justificável”.
Jaber lembrou que “a política nacional antidrogas prevê ações de prevenção e repressão. O grande problema que nós estamos observando agora no Rio de Janeiro é que as ações que seriam preventivas estão se confundindo com ações repressivas”.
O psiquiatra destacou que, “por enquanto, somente armas foram repassadas” ao estado do Rio pelo governo federal, deixando em segundo plano o apoio aos locais de internação. “Não há efetivamente, na área do tratamento, desdobramento dessa ação federal de financiamento”. É preciso, acrescentou, que sejam criados locais adequados para receber essas pessoas. Ele diz que não existem leitos no Rio de Janeiro, principalmente para adultos.
O presidente da Abrad disse que a vigilância que será adotada com as bases móveis e câmeras de videomonitoramento fixo que a Senasp repassará ao governo fluminense poderá inibir o uso de drogas. “Havendo câmeras, teremos também uma diminuição [do consumo de drogas] naquele local”. Mas ele não descartou que haverá transferência dos usuários de crack para outras regiões do município, como está ocorrendo a cada ação efetuada.
Jaber confirmou que o número de dependentes de crack vem subindo no Brasil nos últimos anos. Pesquisa do Instituto Nacional de Pesquisa de Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas (Inpad) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), divulgada em setembro, mostrou que a cocaína fumada (crack e oxi) já foi usada pelo menos uma vez por 2,6 milhões de brasileiros, representando 1,4% dos adultos. Os adolescentes que já experimentaram esse tipo da droga foram 150 mil, o equivalente a 1%. O Brasil representa 20% do consumo mundial do crack.
“Basicamente, nós estamos com um transtorno mental acometendo uma parcela grande da população”. Isso não está restrito à classe social baixa, que é a menos favorecida em termos de recursos para tratamento.
O psiquiatra reiterou que a abordagem para os usuários de crack, em especial crianças e adolescentes, deve ser de aproximação, “bem no estilo dos irmãos Villas-Boas [indigenistas cuja ação no interior brasileiro resultou na criação, em 1961, do Parque Nacional do Xingu, a mais importante reserva indígena das Américas], com técnicos que tenham um talento natural de aproximação com população de rua e pessoas drogadas”.
Segundo Jaber, as pessoas ideais para esse trabalho são ex-dependentes químicos que estejam em abstinência porque conseguem quebrar a resistência dos usuários de crack. “Essa deveria ser, na minha opinião, a medida mais adequada. Pessoas que saibam viver dentro desse ambiente, até por uma experiência prévia, já totalmente superada, e que tenham essa coisa de querer recuperar outras [pessoas]. São técnicos em recuperação de dependentes”.
Edição: Fábio Massalli
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