Sob críticas, Portugal aprova orçamento que eleva impostos e ainda quer cortar 4 bilhões de euros

01/11/2012 - 8h16

Gilberto Costa
Correspondente da EBC

Lisboa – A assistente administrativa Fátima Silva, 44 anos, prepara-se para emigrar em fevereiro para a Inglaterra, onde irá trabalhar como faxineira em um hospital em Londres e ganhar mais do que recebe trabalhando em um escritório em Lisboa. Segundo ela, o salário atual (em torno de 500 euros por mês, cerca de R$ 1.350) não tem sido suficiente para viver em Portugal.

A assistente administrativa era uma das centenas de pessoas entre desempregados e militantes de partidos de esquerda que, convocadas por meio das redes sociais, protestavam até a noite de ontem (31) contra o Orçamento do Estado proposto pelo primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, e aprovado na Assembleia da República de Portugal.

“Mais uma vez vamos continuar a ser penalizados. Vão nos retirar o ordenado, vão nos retirar benefícios sociais, vamos pagar bens de consumo mais caros. Empresas vão continuar fechando e as pessoas continuarão com salários em atraso. Nós não sabemos se vamos receber auxílio de Natal [equivalente ao décimo terceiro salário]”, reclamava Fátima.

O quadro descrito pela assistente administrativa ilustra as opiniões e as expectativas de grande parte da população de Portugal que, por causa da crise econômica na zona do euro, teme o agravamento da recessão. O próprio governo admite piora do quadro econômico. “Tendo em conta o padrão de ajustamento em 2012, prevê-se uma contração adicional da procura interna (…) No que diz respeito ao consumo privado, a quebra de 2,2% explica-se pelo agravamento do desemprego e pelo aumento de impostos sobre o rendimento”, disse o ministro de Estado e das Finanças, Vitor Gaspar, ao defender esta semana a proposta do governo na Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública da Assembleia.

O Orçamento aprovado ontem visa a reduzir a dívida pública por meio do aumento de impostos das pessoas físicas. No entanto, especialistas acreditam que a medida não será suficiente para que o país tenha superávit fiscal como nos últimos anos.

Por isso, o governo quer editar medidas adicionais e economizar mais 4 bilhões de euros no próximo ano e em 2014. “Foi iniciado um processo de análise detalhada das contas públicas com objetivo de identificar 4 bilhões de euros. Estamos fortemente empenhados em garantir que esse processo seja bem sucedido e que as suas conclusões sejam traduzidas tão cedo quanto possível em 2013 e 2014”, disse Gaspar.

A economia desse valor implica em maior redução dos gastos com proteção social, saúde, educação e ciência - o Orçamento de 2013 estabelece o corte de mais de 1,3 bilhão de euros nesses setores (51% dos cortes aprovados pela Assembleia da República). Para tanto, o governo terá de reformar a Constituição e reduzir os gastos com o Estado de bem-estar social. “Reformar é defender o Estado social”, disse ontem no Parlamento o ministro de Negócios Estrangeiros, Paulo Portas, principal liderança do Centro Democrático Social/ Partido Popular (CDS/PP) a legenda que forma com o Partido Social Democrata (PSD), de Passos Coelho, a base de sustentação do governo.

A reforma da Constituição é um passo estratégico para o governo que tenta evitar que as decisões venham a ser desautorizadas pela Justiça (como ocorreu recentemente com a decisão de diminuir salários e benefícios dos funcionários públicos e aposentados). A iniciativa exigirá apoio da oposição. O governo, antes mesmo da aprovação do Orçamento, já fazia acenos ao Partido Socialista (que sucedeu) propondo uma “refundação” do programa de ajustamento econômico imposto pelo Fundo Monetário Internacional, pela União Europeia e pelo Banco Central Europeu.

 

Edição: Lílian Beraldo